Há 27 anos, o CEP 20.000 é um dos principais caldeirões do Rio de Janeiro no qual se misturam poetas, atores, cantores, performers para experimentar, dialogar, aparecer uns para os outros. Fundado por Chacal e co-idealizado por Guilherme Zarvos, o foco sempre foi o tête-à-tête, com algumas publicações pontuais.
Mais uma dessas publicações será lançada amanhã (25): os Cadernos do CEP. São miniantologias impressas que reúnem um pouco da obra de 5 poetas que por lá se apresentaram. Vêm com um breve texto crítico que analisa a produção ali exposta e custam R$ 5. Serão vendidos na sede do CEP, onde ocorre o lançamento (Rua Humaitá, 163, Humaitá) - com o microfone aberto, claro.
No primeiro volume, que vai estar à venda a partir desta quinta-feira, virão poemas de Ana Fainguelernt, Bernardo Valença, Fernanda Morse, Maria Isabel Iorio e Rafael Zacca.
Além dos Cadernos, outras publicações já são pensadas para os próximos meses. Por email, conversamos com Chacal sobre essas ideias e, por tabela, sobre um pouco do estado de espírito que anima o CEP e seus encontros. Mantivemos, aqui, a forma como ele nos enviou as respostas.
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O primeiro volume dos Cadernos do CEP tem poetas jovens, de poéticas distintas. Segundo o posfácio desse volume, começar os Cadernos assim é uma forma de trazer “à tona isto que hoje parece dar o tom da jovem poesia brasileira: a multiplicidade”. Iniciar com a produção do presente foi uma opção entre tantas ou uma necessidade incontornável?
um baobá é incontornável. por uma pessoa só. mas se você convoca a galera, ele deixa de ser. acredito num trabalho quando ele convoca a galera. o CEP 20.000 é assim há 27 anos. e é essa minimultidão sublevada que tem prioridade nos cadernos do CEP. tem o que falar. querem mostrar trabalho (poemas para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) o CEP resiste porque se reconfigura constantemente.
Cada um dos Cadernos surgirá com uma proposta diferente ou, basicamente, todos serão miniantologias heterogêneas?
O CEP 20.000 teve algumas edições temáticas: cosmorama rimbaud, maiakovski. hoje fazemos uma homenagem ao cabaret voltaire, pai de todos os “saraus multimídias”. mas explorar temas não é nosso forte. a garotada tá começando e quer botar pra fora seus versos bárbaros. às vezes alguém homenageia outro alguém. e segue o jogo. mas quem sabe role alguns temáticos. quero fazer um com poetas de fora do rio. pessoal que tá começando. mas tudo será conversado no conselho editorial: julia klien, italo diblasi, santiago perlingeiro.
Existe projeto para fazer os Cadernos circularem em meio digital?
estamos conversando. precisamos abduzir um webdesigner, um hacker primitivo. mas quem sabe a gente realize um sonho antigo: um palavreado de três pernas. uma virtual, que explane. outra escrita, que fixe e preserve o poema. e outra, a festa, o encontro, o som da palavra e do corpo (assim se decantam os poemas).
Na apresentação dos Cadernos, você diz que eles foram criados para entrar na onda deste milênio “do digital”, que tem pequenas editoras invadindo a praia do mercado. Qual o papel desses Cadernos na história do CEP, para além de se manter conectado às dinâmicas do cenário de circulação de poesia?
acho que a função do CEP é manter acesa a chama da poesia falada. a bendita palavra maldita. é através dela que o corpo fala, que desembucha o verbo. isso é o beabá do abecê. se a gente entender o poema como um jogo de sons e imagens, a expressão oral dele, é que traz à luz, sua cadência, seu colorido. e a fala atrelada a toda potência do corpo pode dar conta disso. repare: não falo de dança, de canto ou teatro. falo de poesia.
talvez por isso, as tentativas de publicações do cep, nesses 27 anos, tenham sido poucas. fizemos algumas coleções de livros, 2 revistas, uma antologia, um magnífico cd, muita coisa em vídeo no youtube. Um site (www.cepvintemil.wordpress.com) meio que desatualizado.
vamos nos adaptando aos tempos digitais (essa coleção só é possível porque é feita em impressoras digitais não comerciais e em mutirão), aos whatsapps da hora, mas sem perder de vista o encontro, o olho no olho, o boca a boca, a boa palavra na ponta da língua.
Pode falar sobre os próximos projetos, os Blocos do CEP e os Envelopes do CEP? Para quando estão previstos?
a idéia é criar um plano de carreira. ou quem sabe de correria. a criatura começa no caderno com cinco páginas pra ela, dividida com mais quatro outras, além de um minitexto crítico. no lançamento, os poetas performam seus poemas. depois, os que a galera comentar melhor (tanto os poemas quanto a apresentação ao vivo) e mostrarem a fim de seguir no jogo, são convidados pelo conselho para os blocos. aí serão 3 livrinhos de 3 poetas, com dez a doze páginas, lançados no CEP com a apresentação ao vivo e 10 minutos pra cada. e por fim, os envelopes: dois poetas a cada edição (um já rodado e outro mais jovem). quem chegar ao envelope, concorre ao “portugal telessem”. e paga uma rodada de cerveja.
No seu poema Uma história à margem, surgem as palavras:
O cara faz 18, 19, 20 anos e tem o que falar. Vai lá e fala. Depois, faz 28, 30 anos, vai cuidar da vida. Mas já tem nova galerinha tendo o que falar.
Obviamente você se referia aos artistas, mas resolvemos expandir um pouco a ideia. O CEP caminha para os 30 anos. Hoje, 24 de maio, você faz 66 anos. Ambos, você e o CEP, ainda parecem ter muito a dizer e continuam guiados, a meu ver, por um esforço constante em manter os pés firmes no presente. Pode falar um pouco sobre essas trajetórias – sua, do CEP, desses poetas –, tão entrelaçadas?
o que me faz ficar ligado nesses quase trinta anos do CEP é não me afastar do corpo, tanto meu quanto da galera. perguntar onde dói o calo. cuidar. acho que esse constante encontro entre gerações, é alimento recíproco. contanto que sua faca não perca o fio, sua peleja com a palavra, com seu modo de estar no mundo, não esmoreça e o ritmo da vida se mantenha pulsando, o tempo não existe. espero que o tempo só apareça quando o ritmo atravessar e o coração parar de pulsar. aí já é tarde. perdeu, playboy!