É lançado hoje (8) o site Escritoras Negras (www.escritorasnegras.com.br), uma iniciativa de mapeamento e diagnóstico das autoras afro-brasileiras da Bahia. A ação foi criada pela escritora Calila das Mercês – mulher negra, baiana, jornalista e pesquisadora em literatura (UnB), como ela mesma se define na divulgação para o site.
Calila encontrou trabalhos heterogêneos (romances, poesia, cordéis, contos e outros gêneros) de escritoras que, em sua maioria, ainda não são conhecidas. Criou um formulário para que as autoras respondessem e entrassem no mapeamento.
Além de criar um espaço para conhecimento e reconhecimento do público em relação a essas escritoras, o projeto também lançará um ebook com textos bilingues (Português e Inglês) acadêmico-culturais relacionados à negritude e à autoria negra, perfis de escritoras negras e intervenções artísticas na Bahia.
Também realizará, entre 10 e 20 de julho, oficinas para escritoras afro-indígenas em Alcobaça, Caravelas e Prado (no distrito de Cumuruxatiba), cidades do Extremo Sul da Bahia; e duas palestras – uma na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus de Teixeira de Freitas, e outra no Fórum de Cultura, em Caravelas.
Escritoras negras baianas que desejem fazer parte do mapeamento podem acessar o formulário neste link. Para acompanhar os trabalhos, há o perfil da escritora no Facebook e o do projeto, na mesma mídia social.
Das tantas formas de resgate, você resolveu articular várias (site, ebook, palestras) para criar uma rede de conhecimento sobre essas escritoras. Como surgiu essa ideia?
Esse projeto parte de um emaranhado de questões: no contexto baiano, quando você pensa em um escritor contemporâneo, você saberia rapidamente pensar em alguma escritora enquanto representante? Alguma escritora negra? O projeto deseja que que esta resposta se torne ou amplie-se positivamente. Fala-se todo tempo de igualdade de gênero, de inserção da mulher no mercado de trabalho, em equidade de reconhecimento e respeito, mas na prática, as mulheres negras ainda se encontram à margem do sistema.
A Bahia é um estado que tem como população a maioria negra e parda e é lamentável não sermos representadas proporcionalmente no campo literário. Outra questão que me toca é a falta de inserção de livros e literatura oral de escritoras negras nas escolas, nas universidades. Ainda somos pouco lidas, muito menos ainda citadas, e digo isso no contexto brasileiro. Muitas mulheres negras escrevem, produzem e por que esse emudecimento? Na universidade, cita-se em trabalhos acadêmicos autoras negras?
São questões para refletirmos e pensarmos que não dá para deixar como estão. A ideia do site Escritoras Negras da Bahia é dar visibilidade, fortalecer as mulheres que contam suas histórias, por meio da literatura oral ou escrita. Poetas, contistas, romancistas, cordelistas, que com frequência são violentadas simbolicamente, uma vez que raras são reconhecidas pelo seu trabalho artístico.
Existem recortes específicos dentro da sua pesquisa (são apenas autoras vivas, por exemplo)?
Sim, inicialmente, pensamos em mapear as autoras contemporâneas que possam responder individualmente o formulário e que possamos estar em diálogo contínuo. Até pensei em inserir como registro no blog do site, referências de escritoras negras já falecidas, caso ocorram.
Quantas escritoras responderam ao formulário, até agora??
O cadastro será continuo. Até agora 20 já preencheram. E aos pouco estão sendo inseridas no site.
Segundo o site Blogueiras Negras, “a iniciativa é um mapeamento e diagnóstico das escritoras negras da Bahia”. Pode antecipar algo desse diagnóstico? Com base em quais critérios você o construiu?
Até o momento verifiquei que aproximadamente 35% das escritoras que já responderam o formulário não têm livros publicados. E as que tem livros, não são publicações de grandes editoras. Isso faz pensarmos na cadeia produtiva do livro da Bahia e do Brasil. Pensar que ainda as grandes editoras do país têm preterido as escritoras negras brasileiras do mercado editorial.
Quais as recorrências estéticas ou temáticas que marcam essas produções? Ou são muito heterogêneas?
Observo que muitas escritoras escrevem poesias, mas existe uma heterogeneidade nas produções. Cordelistas, contistas, romance, literatura oral, crônicas...
O seu projeto inclui, também, um ciclo de palestras para comunidades afro-indígenas na Bahia. O que espera desses encontros?
Esperamos que sejam encontros de formação mútua. Nós – eu e as pesquisadoras Raquel M Galvão e Kênia Freitas – estamos indo lá para falarmos de literatura, tecnologia e cinema, tudo relacionado às narrativas produzidas por mulheres negras.
O Extremo Sul da Bahia, como se sabe, é tido como um marco simbólico na construção da narrativa do começo do país, e é um local muito agregador, não pela história "oficial" que foi construída pelos europeus, mas pelo força do povo que resistiu e resiste até hoje. As três cidades que escolhemos, Caravelas, Alcobaça e Prado (Cumuruxatiba) possuem a identidade majoritariamente afro-indígena e as comunidades ainda possuem a tradição social e econômica de vilas de pescadores. A população, as mulheres, as adolescentes têm recebido o projeto com muito bons olhos, porque reforça uma identidade que tem sido muito invisibilizada pela mídia e por outros movimentos...
A arte feita por mulheres negras é algo muito transformador por si só. As comunidades têm a presença marcante de grupos culturais com atuação contínua, como o Movimento Cultural Arte Manha, com quase 25 anos, e o Umbandaum, que tem 29 anos. Para nós, é muito especial estar em contato com os grupos e com as mulheres destas comunidades afro-indígenas, com as pessoas que mesmo em territórios quase isolados fazem muito pela cultura do país.
O evento #Enegras quer muito agregar a estas comunidades que estão sendo esquecidas e nas quais ainda estão presentes muitos problemas sociais como a fome, o desemprego, gravidez na adolescência. Em resumo: ausência de políticas públicas. As mulheres precisam de alguma forma se reunir para estar falar de questões sociais e culturais que lhes são próprias. Precisamos também ouvi-las e articular em conjunto...
As oficinas de formação e divulgação do projeto Escritoras Negras da Bahia serão realizadas entre os dias 10 e 20 de julho de 2017. Temos uma página no Facebook que dá para acompanhar as datas e horários das três oficinas nas três cidades e todos os detalhes: fb.com/escritorasnegras.
Há planos de ampliar o escopo do projeto para outros Estados?
Sim. A ideia é que o projeto se estenda para outros estados. A rede precisa se fortalecer em todo o país.
Dentro do projeto está previsto o lançamento de um ebook. Você já divulgou que ele reunirá textos acadêmico-culturais sobre negritude e autoria negra, e que será bilíngue. Também trará perfis de escritoras negras. São textos seus, de outros/as autores/as?
Exatamente. O e-book terá também textos de outras/os autoras/es pesquisadoras/es de diferentes universidades e estados... A ideia é de reunir dessa forma que você descreveu. Textos acadêmicos-culturais, ensaios sobre negritude e autoria negra.
SERVIÇO
Palestra "Literatura de autoria negra: resistência e pluralidade da memória"
Por Calila das Mercês, doutoranda em Literatura na Universidade de Brasília (UnB)
Dias e locais: dia 07/07, na Universidade do Estado da Bahia em Teixeira de Freitas, às 19h, e 08/07, no Fórum de Cultura de Caravelas, às 18h
Inscrição gratuita no link https://goo.gl/rq9q28
Oficina "Escrevivências: resistência e representações na literatura de escritoras negras"
Por Calila das Mercês, doutoranda em Literatura na Universidade de Brasília (UnB)
Dias e locais: 09 e 10/07, em Caravelas; 11 e 12/07, em Alcobaça; e 13 e 14/07, em Prado (Cumuruxatiba)
Horário: 9 às 18h
Inscrição gratuita no link https://goo.gl/rq9q28
Oficina “Literatura e tecnologia — Mídias e mobilizações em rede”
Por Raquel Galvão, doutoranda em Teoria e História Literária da Universidade de Campinas (Unicamp)
Dias e locais: 11 e 12/07, em Caravelas, 13 e 14/07, em Alcobaça, e 17 e 18/07, em Prado (Cumuruxatiba)
Horário: 9 às 18h
Inscrição gratuita no link https://goo.gl/rq9q28
Oficina “A magia da mulher negra: poéticas e estéticas das cineastas negras”
Por Kênia Freitas,doutora em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Dias e locais: 13 e 14/07, em Caravelas, 17 e 18/07, em Alcobaça, e 19 e 20/07, em Prado (Cumuruxatiba)
Horário: 9 às 18h
Inscrição gratuita no link https://goo.gl/rq9q28