Eliane Robert Moraes Renato Parada 04 1

 

Em 2018, a pesquisadora Eliane Robert Moraes (USP) lançou pelo selo Pernambuco (Cepe Editora) uma reunião dos contos eróticos brasileiros, abarcando do romantismo até o começo do modernismo, O corpo descoberto - Contos eróticos brasileiros (1852-1922). Hoje esgotada, a obra virou referência nos estudos sobre como o sexo é tratado na literatura nacional.

No final de 2021, num dos picos da pandemia e no horror do governo Bolsonaro, Robert Moraes decidiu que, justamente pelo contexto sufocante, era a hora de continuar a história iniciada em  O corpo descoberto. Precisava apostar que Eros venceria Tânatos.  

Assim, lançou em dezembro passado O corpo desvelado - Contos eróticos brasileiros (1922-2022), reunindo narrativas de Hilda Hilst, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, incluindo textos inéditos de nomes como Reinaldo Moraes e Amara Moira. O livro tem sessão de autógrafos e debate no Rio de Janeiro, no dia 31/01, com a presença do escritor Alberto Mussa, na Livraria Travessa de Ipanema, a partir das 19h. E chega ao Recife com master class da organizadora no dia 03/02, no auditório do Museu do Estado.

A seguir, uma conversa com a pesquisadora sobre seu trabalho e sua aposta de que Eros venceria outra vez.  

 

Seu trabalho procura mostrar uma história da literatura brasileira a partir do erotismo. Falo não apenas por conta dos dois volumes de contos eróticos brasileiros — O corpo descoberto (2018) e o recém-lançado O corpo desvelado (2022) —, para o selo Pernambuco. Lembro também da Antologia da poesia erótica brasileira (2017), que você organizou para a Ateliê Editorial, e nos inúmeros artigos que tem publicado ao longo dos últimos 20 anos, muitos deles sobre nomes canônicos, como Hilda Hilst. Recentemente, saiu uma seleta chamada Tênebra (2022, Fósforo Editora), organizada por Júlio França e Oscar Nestarez, que conta a história da literatura brasileira a partir do terror. Essa perspectiva me fez lembrar do trabalho que você tem desenvolvido. Será que estamos vivendo um momento de arrumar novas formas de contar a história da literatura brasileira?

Creio que sim, mas o que considero ainda mais importante é pensar a história da literatura brasileira, como aliás a das outras artes, como um espaço aberto, poroso, hospitaleiro. Então, não se trata de simplesmente contar essa história, mas de “seguir contando”, assim mesmo no gerúndio.

Vale o mesmo para a história da sexualidade, que é uma interface importante da erótica literária. Embora a literatura não seja um mero reflexo do que se passa na realidade, as recentes transformações nas formas de viver a sexualidade no país com certeza nos tiraram do lugar. 

Convém lembrar que, no capítulo da sexualidade, não foram poucas as mudanças que o Brasil testemunhou nas últimas décadas. Mulheres, gays, lésbicas, transexuais e simpatizantes de todos os sexos saíram dos respectivos armários para denunciar preconceitos, feminicídios, homofobias e abusos de toda ordem, em lutas que reverberaram nas ruas e nas telas, nas escolas e nas TVs. Delas resultaram as delegacias da mulher, os manuais de educação sexual, os desfiles das paradas gays e muitas outras iniciativas coletivas. 

Se ainda temos muito — e muito mesmo — a fazer nesse sentido, uma coisa é certa: nossos corpos estão mais livres e não há retrocesso possível. Ou seja: essas conquistas se mostraram capazes de perturbar o status quo patriarcal ao qual o país estava condenado, oferecendo novas potencialidades sensíveis às nossas vidas. 

Não surpreende que os puritanos de plantão tenham tachado a diversidade sexual de inimiga número 1 de sua evangelização totalitária. Convenhamos, aliás, que nisso eles têm razão (risos).

 

Uma forma de pensar O corpo desvelado é pensar o livro como um tratado das fantasias da República brasileira. Que fantasias eróticas você encontrou e que despertou mais atenção nessa obra?

Puxa, é difícil dizer, pois já não foi nada fácil selecionar os contos que figuram no volume. A pesquisa reuniu uma grande quantidade de escritos criados entre 1922 e 2022, muito diversificada, e terminamos por escolher apenas (apenas?!?) 70 deles... 

Uma questão que me chamou a atenção foi a presença da figura feminina como escritora erótica. Ela aparece sobretudo a partir dos anos 1970 e com uma característica curiosa: isso porque a parte mais solar e mesmo alegre de O corpo desvelado, nomeada “Das visitas ao paraíso”, é precisamente aquela que é mais feminina. Dos dez contos que ela comporta, sete foram escritos por mulheres — Myriam Campello, Ana Miranda, Andréa Del Fuego, Cíntia Moscovich, Ana Paula Maia, Beatriz Bracher e Hilda Hilst. Ora,  que prevalece nos contos dessas autoras  é uma expressão de plenitude, pouco presente no estante do volume... Dá o que pensar, não? 

Mas O corpo desvelado tem muito, muito mais que isso. A pergunta me obriga remeter o leitor e a leitora ao livro...

 

Você realizou as pesquisas que resultaram em O corpo descoberto e o O corpo desvelado num período de ascensão do fascismo no país e, no caso do mais recente, em meio ao governo de Bolsonaro e da pandemia.  De alguma forma esse contexto político repressivo “contribuiu” para seu trabalho como pesquisadora?

Acho que um contexto político repressivo jamais contribui com nossas pesquisas, sobretudo quando se trata do campo das Humanidades! Sabemos — e vivenciamos isso nos últimos quatro anos — que a necropolítica odeia a arte, a cultura e as Humanidades em geral porque elas sempre colocam em xeque o status quo. Quanto mais livres forem essas pesquisas, maior o ódio que despertam nos fascistas. Isso posto, eu diria que pesquisar o erotismo nesses tempos sombrios foi dar as costas à cruzada moralista que tentava se impor à nossa vida sensível, para abraçar a mais candente afirmação da vida, que é aquela simbolizada por Eros.

 

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