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“Você vê?”

Foi a pergunta síntese que Josely Vianna Baptista lançou para a Flip na videoarte que inaugurou a série Fruto estranho – experimento proposto pela curadora da festa, Joselia Aguiar, em que seis escritores foram convidados a interagir com o público antes de algumas das mesas da programação principal. Josely fundiu sua produção com uma livre tradução de um canto guarani, criando um experimento de linguagem e visibilidade que nos interrogou sobre o que estamos vendo à nossa frente e sobre o que enxergamos quando estamos apenas seguindo.

“Abismos são caminhos”, dizia uma das imagens projetadas no telão montado no palco da Igreja da Matriz, agora à tarde. E visibilidade é um ponto chave para pensarmos alguns dos pontos propostos por essa edição da Flip.

A videoarte de Josely serviu como introdução à conversa das escritoras Carol Rodrigues e Natalia Borges Polesso com a autora angolana Djaimilia Pereira de Almeida – um diálogo sobre as várias possibilidades de identidade (o corpo, a cidade, a escrita). A primeira pergunta proposta pelo mediador, Leonardo Tonus, dialogava, de certa forma, com o “você vê?” proposto um pouco antes por Josely: “Por que você escreve?”. A resposta de Djaimilia acabou sendo uma espécie de síntese nesse momento em que tanto se discute privilégios, acessos e visibilidades: “Eu escrevo para não desperdiçar a minha vida”.

A frase estabelece uma ponte orgânica com a tradicional mesa Zé Kleber, que recebeu o título Aldeia e ocorreu na manhã desta quinta-feira. Lá estavam dois militantes indígenas: Álvaro Tukano, escritor e pensador indígena do Alto Rio Negro, e Ivanildes Kerexu Pereira da Silva, da aldeia Guarani Mbya Itaxi e ativista pelo direito das mulheres, das crianças e dos indígenas. Eles conversaram com a coordenadora da ONG Médicos Sem Fronteitas, Claudia Antunes, sobre a inserção do português na vida dos jovens índios e de como a língua os ajuda a sobreviver.

 

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"Antes a gente não precisava falar português, a gente era livre", pontuou Ivanildes, demonstrando como a língua não é uma questão pacífica para os povos indígenas. Entretanto, é algo útil: "Sabemos falar português para sobreviver, e queremos colocar nossos filhos nas universidades para falar de nossas culturas", disse Álvaro Tukano.

Escrever para não desperdiçar a vida pode ter acepções coletivas (como a dos indígenas) ou individuais (como talvez tenha sido o caso de Djaimilia). Ambas, entretanto, reforçam a ideia de que narrar é resistir.

A ideia dialoga com a produção de Lima Barreto – esse cronista dos subúrbios que tão prontamente se esforçou para marcar e manter vivos os cotidianos e dilemas daqueles lugares. A literatura, para ele, era uma questão totalmente pessoal: “A Literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela”, disse o autor.

Uma programação que consegue mostrar como diferentes temas literários podem ter um fundo comum, e de forma não óbvia. Mais um ponto para a Flip 2017.