Último regresso
Espreitava o céu azul pela fresta da cortina. Há muito amanhecera. Um dia claro e quente, pensou. O quarto, ainda na penumbra, recendia a flores murchas e a velas. Ou seria incenso? Talvez. Uma quietude morna pairava sobre a casa. E era terça-feira. Último dia de carnaval. Uma estranha e quase silenciosa terça-feira de carnaval.
Sussurrava-se. Alguns cochilavam nas cadeiras. Olhos vermelhos, outros conversavam. À porta da frente, a filha mais velha discutia com o marido. O que não chegava a ser uma novidade. Parecia embriagado. Um cheiro de café e feijão com toucinho escapava da cozinha. Misturava-se ao inevitável odor de suor e álcool, cheiro de ressaca, próprio daqueles dias. As crianças, ainda fantasiadas, riam alto e corriam, sob o olhar de censura dos adultos. Sentia uma estranha lassidão. Um certo torpor. Uma sede.
Então, soaram os clarins. Mais um bloco preparava-se para sair. Logo chegaria ali, pensou. E quando, frente à casa, a orquestra tocou aquele frevo — Último regresso — não resistiu. Levantou-se e pôs-se a dançar. E cantar. Em plena sala. Como se fosse o seu último carnaval.
Ninguém pareceu perceber. Ninguém se importou. Ninguém sequer a olhou. Exceto, ele. Sentado à beira do terraço. Que sorriu e incontinenti, se juntou à ela. Ao frevo. Ao passo. Na sala de jantar.
E só ele lhe percebeu o sorriso e o suor que brilhava em sua testa quando, findo o desfile, à hora prevista, fecharam-lhe o caixão. Encerrando-lhe, a um tempo e definitivamente, a vida e o carnaval.