A convocação do lobo
O lobo andava pela floresta, à procura de comida, quando ouviu que o chamavam. Alguém gritava por ele, a distância, repetidas vezes. Por tratar-se de um animal prático, não teve medo. Jamais acreditou em espÃritos ou chamados sobrenaturais. A superstição era um luxo dos humanos, criaturas de imaginação tão rica quanto vadia. Para o lobo, quando o chamavam pelo nome, aos gritos e a distância, duas possibilidades lhe vinham à mente: ou alguém pedia sua ajuda, ou então desejava atraÃ-lo para uma armadilha. Prestou atenção à voz: Lobo, lobo, lobo! Nela havia algum desespero, mas nada que não pudesse ser simulado. Parecia perigoso. Como estava com fome, porém, e nada tinha a perder, decidiu verificar o que era, com o cuidado que a situação exigia.
Trotou na direção dos gritos, que, de repente, cessaram. O lobo se sentiu contrariado. Ainda tentou prosseguir, fazendo seus cálculos de predador, farejando e aguçando os ouvidos, intuindo o local de onde teriam partido aqueles apelos tão incomuns. Mas, após alguns quilômetros de marcha infrutÃfera, achou prudente desistir. Havia se perdido do rumo original. Faminto, exausto, o melhor a fazer era poupar-se, e por isso se deitou e adormeceu entre as raÃzes de uma árvore qualquer, desconhecida para ele (lobo algum conhece as árvores, pois não se interessam por elas).
Horas depois, despertou com novos gritos, dessa vez ainda mais intensos, bem mais próximos, ao alcance de uma corrida. Certo de que agora não havia erro, de que algo grande esperava por ele, disparou floresta afora, e foi devidamente recompensado. Os gritos o levaram a uma clareira, onde pastava um rebanho de ovelhas. Quem gritava era um pastor, um menino que o chamava do alto de uma colina: Lobo, lobo, lobo!
Desconfiado, escondido entre as touceiras, o lobo observou a cena insólita. Outros homens chegaram e, irritados, discutiram com o menino, que, contrariando a lógica dos pastores, ria diante da agressividade de seus semelhantes. Quando os homens se afastaram e o pastor tornou a ficar sozinho, o lobo achou que o ambiente já estava seguro o bastante. O menino o chamara até ali por alguma razão, e essa razão finalmente lhe parecia clara.
Foi um aprendizado importante para o lobo. A partir daquele dia, ele abandonou o ceticismo. Passou a acreditar numa espécie democrática de providência, que contempla também as feras, e louvou a misteriosa sabedoria com que ela age sobre os seres e a natureza. Afinal, não é sempre que um pastor convoca um lobo para lhe oferecer as próprias ovelhas. Essa convicção fez com que atacasse o rebanho com alegria, tempo e tranquilidade. Fartou-se de carne, gordura e sangue.
A princÃpio estranhou que o pastor, durante o ataque, voltasse a gritar, ainda mais desesperado que antes, mas logo percebeu, pelo exagero de suas reações, que aquilo só podia ser uma encenação.