No dia em que Lady Gaga (quase) desapareceu no rabo de um foguete .
Tudo começou um pouco antes, nos bastidores, na gradação, em todo o cerne do sábado de uma semana pré-carnavalesca, entorpecido de loló e regado a muita cachaça. Um sábado que antecipa o de Zé-Pereira, o de Iemanjá e Oxum, o de Momo e outras majestades, cultuadas de formas várias. Um sábado em que houve muita fechação, bebida alcoólica e outro tipo de dependência.
Essa estória traz como matriarca a rainha das rainhas (peço licença a uma amiga minha, pois ela pronunciou essa expressão referindo-se a uma outra amiga), a protagonista: Cátchia, a Xuxa Meneguel, Angélica, Mara Maravilha, Branca de Neve, Bruxa Marraquexe... Um poço de delicadeza...
Até ingerir a sua porção de Suco Gummi (/G/ /A/ /M/ /I/). E, ao o fazer, se transforma. Vou contar-lhes como.
Bem, no carnaval passado escolheu uma fantasia em tributo a uma cantora (que por uma questão ética, não poderei dizer-lhes quem foi, mas ela foi condenada a dois anos de prisão em liberdade condicional por ter agredido o gerente de um teatro. Que coisa, não?), e conseguiu ser mais autêntica do que a própria cantora. (Acreditem!)
Depois de fechar tanto, ela ficou sem norte, sem sorte, sem relógio, sem dinheiro e sem celular; sobretudo, pelo fato de sua arquirrival, a Brenda Bechara, ter fechado mais do que ela, se travestindo sob o alterego de Mística: a Misteriosa. Inclusive, essa Drag Queen, assumindo outro alterego, ou incorporando a Pombajira Farrapo, ou ambos, fez pipocar os salões por onde passou, seja o de beleza, seja o de festa.
Mas a Cátchia, ela é artista.
Tomou sua boa porção (até porque o EXU dela não bebe com adoçante, citando a letra de uma canção da banda — entendam, não é Umbanda — Negroove) e incorporou a personagem que tão sabiamente escolheu. Ela bateu cabelo no chão, chão/ Leque no chão, /Chão, chão/ Cachaça no chão/ Moeda no chão/ Xoxota negão!
(Ela arrazô! Abalou Bangu, Redenção, Lídia Queiroz, Caiçara I e II, Ilha do Rato, Iraque, Irã, Matriz, COHAB, Lagoa Redonda, Alto José Leal, Churrasquinho do Bel, Maués, Pacas...
...Mário Bezerra, Dique, Livramento, Maranhão e outros logradouros por ondze passei e aqueles que imagino como sejam.)
Essa fechação toda foi na Segunda-Feira da Carne: um dia em que alguns brincantes já estão gastos de tanto revertério, até porque ainda resta a Terça-Feira do Churrasco, o dia do abate, o dia da festa, já que, após o almoço, vem o sono, a ressaca e as cinzas do carvão, no meio da semana: ao melhor estilo Quarta-Feira do Carvão, para fechar, enfim, algumas porteiras espalhadas pelo nosso mundo, abertas pelas divindades celebradas e citadas no início da estória. Porém, alguns consumidores estão prolongando o fechamento das porteiras. (Haja carne!)
Nessa segunda, que, para alguns, foi de preparação de e para As Brasas (Uma referência menos velada a uma troça carnavalesca, ou melhor, uma troça que se quer bloco) — com perdão do trocadilho —, foi o dia de Cacá Meneguel.
Cabelo no chão, porque, bem, quem sabe, ótimo!
Quem não sabe, pergunte à própria ou às meninas da Praça da Matim.
Para quem desconhece essas lindas e adoráveis mancebas, são: a Edilza Pacheco (mais conhecida como Edilza Riachão), a Dulce Mafalda, a Paola Cabrita e a Cleide Mizera.
(Risos!)
Cáca é cabeleireira. Nas horas vagas, faz uns desenhos em tecido. Quando está a fim, e isso parece-me se tratar de um estado permanente, já que ela sempre está disposta e “disponível”, faz uns trabalhos de costura, esculturas em barro, Durepoxi e arame, e cortinas para fora, mas, raras vezes cobra pelo resultado de seus serviços.
Não houve escolha melhor ao incorporar uma cantora que se percebe, dentre outros tantos elementos, pelo Cabelo: O ouro de Midas, A força de Sansão, A fraqueza de Dalila, O que veste e reveste todo o primo Iti, da Família Adams, O que deixa Marge Simpson mais engraçada, um dos objetos de desejo de inigualável estima, que, nas mãos da Cacá, se materializa e ganha forma.
Ela ficou mais idêntica do que a própria cantora, em pleno estado de entorpecentes, cachaça e fumo.
Nesse mesmo dia, uma notícia lhe deixou PAS-SA-DA a ferro Black & Decker, publicada pela boca da sua arquirrival, a Brenda Bechara (Também conhecida como aquela que é).
Estava a nossa Cacá a acompanhar a... (inda) troça (Ou o troço) As Brasas (Bem, seguirei o comentário de uma amiga minha, a Lilith, que sugeriu a mudança do nome da troça ao afirmar que: “Umas Brasas que tão mais pra Cinzas de Cigarro”, pronunciado no mais autêntico som nasalizado). Sugiro As Cinzas.
Estava em companhia das suas amigas da Praça da Matim., quando avistou a Brenda. Ela não teve demora, foi até a sua companheira de desejo sexual e conheceu uma rival à altura. Depois de reconhecer a originalidade da fantasia da Drag, lembrem-se, foi de Mística: A Misteriosa, Cacá lhe perguntou se já havia escolhido a produção para a carnavália seguinte.
— Já. — Disse a Brenda com uma joga de sobrancelha, a esquerda, que chegava na nuca.
— Qual é? — Perguntou a Cátchia, sem nenhuma pretensão, apenas para se orientar durante a escolha da sua fantasia.
Esperando a Cacá tomar um ar após a elaboração e publicação da pergunta, respondeu a Brenda:
— Cheetara!
— Cheetara?! Fechou! Abalô! Que frango é esse, hein?! Que Trava é essa, hein?! Minha gente, ela abalô! (Clac-clac) É pra tomar no pi-piu! (Clac-clac) — Verbalizava a Cacá, seguida de uma série de aplausos que ela mesma fazia questão de fazer, seja com as mãos ou com a boca.
A Brenda, por sua vez, permaneceu na mesma postura, apenas observando as reações provocadas ao revelar a personagem da sua próxima produção, acompanhada de um leve sorriso maligno e, ao mesmo tempo, boboca, à moda de Soraia De La Vega, Paola Bracho e de outras vilãs de novelas mexicanas, Madrasta da Branca de Neve e Maligna, do He-Man.
Cacá de fato reconheceu que tinha uma inimiga figadal.
Após um ano de busca, nenhuma ideia surgia. Cada vez ficava mais difícil escolher uma personagem à altura da sua rival. Foi então que, em pleno ápice de uma manifestação de desvario, provocado por altas doses da sua porção vital alucinógena, teve uma espécie de epifania: Escolheu a dedo a personagem que substituirá a persona incorporada no carná passado.
Novamente uma cantora, que servirá de modelo de conduta à protagonista pelos próximos dias, até chegar a próxima festa de Momo, e que atende sob a alcunha de Lady Gaga. Diante de tal escolha, parece-me que o critério de seleção da Cacá é o mesmo: Personagens que merecem o Título de Maior Fechação, Ilaruê e Revertério e trazem o Cabelo como um dos caracteres da produção visual. A diferença reside no fato de a Srta. Gaga não ter agredido ninguém e, até agora, não ter sofrido nenhum processo judicial. Sua manifestação é bem diferente: Incinerou um piano em pleno show, na festa de premiação de um festival de música, e o seu figurino, seja em shows ou em outros eventos ligados à música, é um misto de características futuristas, cibernéticas e psicodélicas.
Mas o sucesso da produção da Cacá dependia tanto do cabelo, quanto da dona do cabelo: Edilza Riachão tinha a peruca ideal, a que iria bailar a fantasia da Cátchia.
Porém, no carnaval passado, houve um ilaruê entre elas, provocando, supostamente, uma celeuma, uma cizânia, na amizade. No auge do desvario, a Cacá começou a fechar, e fechava tanto. Tanto, que ofuscava quem estivesse por perto. Tomada pelo impulso, Riachão puxou a peruca da Cacá, levando consigo o brilho, o glamour e a euforia da protagonista. Sem reação, Cacá foi sendo levada pelos efeitos das altas doses da sua Porção e começou a peregrinar por veredas distorcidas e desconhecidas da sua inconsciência. Foi então que, descabelada, flertou dois bofes e, não sei como, os arrastou até o seu salão, no bagageiro de três moto-taxistas.
— A passo! — Berrava a cabeleireira para os três moto-taxistas, temendo o fim do efeito da porção.
Sabe-se lá o que aconteceu.
Após a varredura de confetes, serpentinas, lantejoulas e camisinhas, as “amigas” resolveram, por bem, estabelecer uma espécie de cessar-fogo e a relação entre ambas não passava de uma simples convivência amistosa.
E diante do ocorrido, Cacá ficou ensimesmada em pedir a peruca à Edilza. Foi então que, através de uma amiga em comum, e, melhor, muito mais íntima, a Clotilde Nicole, a Clô, Cátchia conseguiu a cabeleira ideal para a sua produção. E fez questão de antecipar parte da sua performance numa festa para meia dúzia de convidados, longe dos arredores do salão das meninas da Praça da Matim. Todo o público presente reconheceu a autenticidade da protagonista, mesmo sendo apenas uma amostragem do que viria ser a verdadeira Lady Gaga. E, aproveitando-se da ocasião, Cacá resolveu ficar com a peruca, provocando a ira de Edilza.
Riachão, indignada, resolveu procurar um aliado ou uma aliada ou os dois ao mesmo tempo. Sem sucesso, buscou ajuda humanitária da antagonista da estória: a Brenda Bechara, Mística: A Misteriosa.
Tão experiente quanto, a Brenda fez um figurino impecável para Edilza. Um traje inspirado em uma das produções da Lady Gaga.
— A Cátchia que me aguarde! — Expressou Riachão num mix de terror e deboche.
— Nós vamos fechar com a cara dela! — Prosseguiu Brenda antecipando a dupla vitória sobre a cabeleireira.
O último passo a ser conquistado era o de recuperar a peruca. A Clô anda sumida. Cabia a própria dona recuperar o que lhe pertencia. Foi então, que, num deslize, Cátchia deixou sua bolsa no Salão das Testemunhas (Ops!), das meninas da Praça da Matim, enquanto foi a uma barraca comprar cigarros. Edilza não pensou nada, abriu a bolsa da Cacá e recuperou a cabeleira postiça, que era sua por direito.
A protagonista, por sua vez, só deu pela ausência da peruca quando já estava no seu próprio salão, prestes a se travestir para a troça As Encabaçadas, ocasião em que todas as Divas se encontram, em plena semana pré.
Atordoada, Cacá se vestiu toda, deixando a peruca para o Grand Finale da sua produção. Estava atrasada e tinha plena certeza de que o cabelo estava no salão das amigas. E de fato tinha.
Quando chegou ao salão, começou a procurar e nada de encontrar o seu objeto de desejo.
— O que farei? Sem a peruca ninguém reconhecerá o meu personagem e a Brenda vai fechar mais do que eu! — Angustiava-se a nossa protagonista, temendo por algo pior.
— Em compensação, Darling, a Edilza tá fechando! — Comentou Paola Cabrita, ao reconhecer a peruca na cabeça da própria dona, acompanhada de um figurino luxuoso: um sobre-tudo feito de tapete de urso polar, com a cabeça do animal e tudo na cauda da capa, que se arrastava pelo asfalto selvagem das ruas da Praça da Matim. Por baixo, um vestido curto de mangas longas, de cor dourada, semelhante a um figurino usado pela cantora, no início do clipe da canção Bad romance. Para os pés, um par de sapatos plataforma, salto fino, da mesma cor do vestido.
— Ela tá parecendo um travesti! Observava Mafalda às amigas do salão.
E, para os olhos, um par de óculos escuros quadrados hiper-futurista, ao ponto de passar a seguinte frase pelas lentes, lembrando um painel eletrônico:
— Seu carnaval acabou, Cacá! A Lady Gaga sou eu!
Imediatamente, Cacá foi até a janela e avistou o que seus olhos tentavam embaçar a fim de não provocar um abalo maior: ver sua companheira de grupo ladeada por sua arquirrival, Brenda Bechara, travestida de Cheetara.Reconhecendo sua impotência ante essa situação, Cacá saiu desorientada, desnorteada, destrambelhada, desgovernada, apenas com o (ul) traje da personagem, (não só) por ela escolhida, e sua cabeleira — natural das mãos da Mamãe Natureza.
Cruzou a rua e saiu sem rumo. Parou numa barraca ambulante, acendeu seu cigarro e tomou uma dose da sua porção mágica. Desceu goela abaixo. De longe, avistou Edilza e Brenda comemorando o feito e aguardando a saída do bloco As Encabaçadas, regadas a muita Champanhe e muita fechação.
O que elas e outras não sabiam é que a produção da Cátchia vai muito além do figurino, da maquiagem e da peruca. Ela incorpora de fato a personagem. Quando se fantasiou da cantora drogada, só faltou ser presa, mas fez coisas tão absurdas quanto a artista. E dessa vez não seria tão diferente.
Percebendo que o bloco estava prestes a sair e observando toda a movimentação da equipe responsável pelos fogos de artifício, anunciando a saída, Cacá resolveu dar o troco no melhor estilo da personagem que escolhera: Correu em direção aos fogos e pegou 1 bastonete de tiro de 12. Não sei como mas encontrou uma porção de querosene. Encheu a boca com o líquido flamejante, riscou o isqueiro, mirou o alvo a ser atingido, e, cuspindo o produto e, consequentemente, fogo, acendeu e disparou o foguete em direção à janela do Salão das meninas da Praça da Matim, provocando uma grande euforia, na galera, que passava correndo, supondo ser um ataque terrorista, e na própria terrorista.
Foi uma alegria tal que não se conteve ao ver a reação de desespero das suas opositoras, resumindo em apenas uma gargalhada gostosa o sentimento que agora lhe bombardeava
Do 1º andar, em meio a uma grande nuvem de fumaça (E não era gelo seco), só se ouvia um grito em uníssono:
— Você destruiu meu carnaval! — Exclamado por Edilza e Brenda, completamente destruídas pelo efeito do tiro.
— Eu sou a verdadeira Lady Gaga! — Replicava a protagonista, extasiada por ter feito tamanho estrago.
Ao contrário dessas e de outras rivais, que apenas se travestiram de personagens, Cacá não só o fez, contudo, incorporou, de fato, a sua musa inspiradora. E o mais interessante é que essas personagens loucas convivem no âmago da cabeleireira, não apenas do período carnavalesco, mas pelos próximos dias e meses. Basta, apenas, despertá-las que o espetáculo se inicia. Ou, basta vir os festejos de Momo e abrir as porteiras do Mundo para que Cacá assuma outra personalidade, distante ou não daquela que lhe traz a dor e a delícia de ser o que é.