A homossexualidade é uma característica transversal no tempo, no espaço e nas espécies - é vista desde os primórdios da humanidade, em várias partes do mundo, em várias especiais animais.
Trazemos hoje três poemas feitos por autores da Roma Antiga que trazem o amor entre homens. Integram o livro Por que calam nossos amores?: poesia homoerótica latina, lançado na próxima semana pela editora Autêntica. A organização é de Raimundo Carvalho, Guilherme Gontijo Flores, Márcio Meirelles Gouvêa Júnior e João Ângelo Oliva Neto.
A obra traz apenas homens assinando poemas homossexuais. Em texto introdutório ao livro, Gontijo Flores explica que a sociedade romana era totalmente patriacal, o que impediu, de forma geral, as mulheres de se expressarem como sujeitos de seus desejos. Casos pontuais, como o de Sulpícia, furavam esse bloqueio. Mas, no caso dela, seus poemas são dedicados a homens.
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Da natureza das coisas
Tito Lucrécio Caro
(tradução de Guilherme Gontijo Flores)
Assim, as partes se inflam de semente e surge
vontade de seguir loucuras da libido
[que incita as partes túrgidas com mais semente],
e o corpo busca o que feriu de amor a mente;
pois todos tombam junto da ferida, e o sangue
se apressa para o ponto em que sentira o golpe:
se perto, o rubro humor ataca o inimigo. [nota 1]
Se alguém sofrer os golpes das flechas de Vênus,
quer o atinja um menino de ares feminis,
ou a mulher que exibe amor em todo o corpo,
logo ele tenta, busca unir-se na ferida,
lançar o humor que sai do corpo noutro corpo,
pois um desejo mudo anuncia o prazer.
Eis nossa Vênus, donde vem o nome Amor, [nota 2]
dali destila a gota do dulçor venéreo
nos corações, depois a frígida paixão;
se longe está quem amas, restam simulacros
e o doce nome então revira nosso ouvido.
Catulo
(tradução de João Ângelo Oliva Neto)
Os teus olhos de mel, Juvêncio, se eu
os pudesse beijar continuamente,
continuamente eu beijaria até
trezentos mil sem ver-me satisfeito
nem se mais densa do que espigas secas
fosse a messe dos beijos meus e teus.
Poema 41
Marcial
(tradução de João Ângelo Oliva Neto)
Nasica, o louco, ataca o escravo de Eucto, o médico –
Hilas! Traça-o: creio estava lúcido.
NOTAS
[nota 1] Humor (umor) aqui indica o conceito antigo dos quatro humores que estão no homem; neste momento, trata-se do sangue.
[nota 2] Amor é representado, no mais das vezes, como filho de Vênus.