Dez anos depois, eu volto a Cuba. E acho que alguma coisa mudou.
Cuba é a mesma. Talvez um ônibus chinês aqui, um celular ali. Mas os carrões modelo Ford 1952 ainda circulam em ruas de paralelepípedo e por casarões descascados pelo tempo.
Em Havana, as ondas batem no Malecón no fim de tarde. O mojito é o mesmo. O amargo da hortelã no fim do drinque também.
Os americanos ainda estão em Guantánamo. A base da baía da cidade que é cinza. Percebo a vergonha dos cubanos de olhares baixos. A ermo.
As histórias de cubanos fugitivos persistem. Bailarina cubana desaparace no aeroporto de Madrid. Ninguém sabe, ninguém viu.
Vejo nas tiendas cubanas, muitas roupas de marca (Adidas, Nike, Dolce & Gabbana, Armani). Todas falsificadas. “Falsificação é política. Usamos o modelo e não damos dinheiro a eles”.
Fidel continua vivo. O governo pode dar prisão perpétua se um cubano criar gado – só se cria ovelha, porco e galinha. Só quem cria boi e vaca é o próprio governo. Para regular, dizem eles, o acesso dos cubanos ao leite.
Um médico em Cuba ganha o equivalente a 40 dólares por mês. Um perfume custa 10 dólares. Um desodorante, 4 dólares. Não sobra dinheiro. Sempre.
Tomo Tropicola, Fiesta Cola e Tukola – todos refrigerantes de líquido negro e espumante. Vejo um cubano na piscina do hotel pedir: “Por favor, me traga uma Coca-cola!”.
Perguntaram a Fidel certa vez: “Comandante, é verdade que em Cuba toda professora é prostituta?”. E ele: “Só depende de como você encare a coisa. Posso dizer aqui, que toda prostituta é professora”.
Eu acho que Cuba é aquela pessoa que ficou na mesma. Esperando que algo acontecesse. Esperando que um dia desse certo.
Eu viajei a outros lugares, Cuba. Eu aprendi com outros mundos, com outras gentes. Eu talvez tenha esquecido de como você é linda nessa sua ingenuidade de ficar na mesma.
Eu queria te dizer, Cuba, que tudo em você é lindo porque tudo em você é passado. Mas, lembra que, em Casablanca, Ingrid Bergman não consegue esquecer que houve uma vez em Paris? Sim, Cuba, é preciso esquecer.
Eu fico imaginando se você não vai sair dessa. Se você ainda vai insistir nessa coisa de estar presa naquele amor impossível. Diz que não, por favor.
Eu te acho linda, Cuba, quando você fala com esse castelhano em que não se ouve o “b”. Quando você esquece um pouco o seu passado e olha para frente.
Olha, é hora de virar a mesa. De você dizer que sim, que me quer, que a gente vai junto olhar o mundo sem a embriaguez do mojito. Sem piña colada. Eu, você, o mundo. Assim: sóbrios.
Cuba, vamos amanhecer? Vamos anoitecer? Me ensina o que você sabe? O que você aprendeu com todo esse tempo?
Eu talvez devesse parar com essa coisa de querer te mudar, né? Não se muda alguém do dia para a noite. Mas, é que, sei lá, eu às vezes gosto de acreditar.
Da janela do quarto, uma moça olha a rua. A bandeira de Cuba estendida, no alto. Eu não sei se é o olhar da moça ou se a tremulância da bandeira que chora. Não sei.
Eu queria te mostrar a noite, sabe, Cuba? Dançar contigo. Sair para jantar. Fazer essas coisas que se fazem a dois. Mas, nessa sua coisa de embargar a vida, tudo isso vai ficando para trás.
Talvez quando você me quiser, Cuba, eu já esteja noutra. Porque eu tentei te dizer que eu te queria. Eu tentei, poxa. Eu fui tão claro. Eu fui tão direto. E você naquela de passado.
Se você me quiser, Cuba, eu largo tudo. Deixo minha esposa, minha família, largo o emprego. Porque meu amor por você é uma coisa que eu não sei explicar. É amor por contradição – e essas coisas, a gente vive e depois dói para esquecer.
Eu acho que um dia, Cuba, você vai me dizer que eu tinha razão. Vai perceber que quando eu passei aqueles dias velando por você, te esperando descer na frente do teu prédio, era para te dizer que esquecesse dele. Que eu é que sou o homem da tua vida.
Olha, Cuba, eu vou esperar o dia em que você vai ver que essa coisa de que a gente não pode ser feliz junto é uma besteira. Porque o mundo não é só dinheiro. O mundo é um êxtase temporário.
Por isso mesmo, Cuba, faz assim: respira fundo, deixa que eu te toque, que eu te ame. Tu não precisa fazer nada, só permitir.
A imagem que eu vejo é eu e você, velhos, na sacada de uma casa de chá em Santiago de Cuba. Estamos tão confortáveis em nosso silêncio. Você não fala nada e eu te amo. Eu não falo nada e tu me amas. Não poderia ter sido assim antes?
Começo a querer desistir, sabe, Cuba?
- Diz que não, por favor.
SOBRE O AUTOR
Thiago Soares é jornalista e professor do departamento de comunicação social da UFPB.