Marcelino Freire inedito set.18

 

 

Abaixo, um trecho de Bagageiro (José Olympio), ficção de Marcelino Freire lançada hoje (29) em Teresina. Na segunda-feira (1°), o lançamento ocorre em São Paulo.

São textos entre o conto e o ensaio por meio dos quais o autor revisita não a sua bagagem literária, mas o seu "bagageiro" literário. A palavra denomina o lugar na bicicletas onde se carregam pessoas ou objetos. Ao falar em "bagageiro", Marcelino alude à miscelânea de influências que marca sua atuação como produtor e escritor.

É o primeiro livro do autor em cinco anos. 

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ENSAIOS DE FICÇÃO

 

Clarice Lispector não era boa em título. Pedia conselho para Fernando Sabino. Uma vez ela quis chamar um novo romance de A veia no pulso. Sabino a fez desistir. Vão pensar que é aveia. Ela também, secretamente, consultou João Cabral. Ele adorou o A veia. E ainda, em carta, perguntou: quem foi o errado, Clarice, o idiota que falou isto para você?

Este meu livro parará em uma estante de ensaios. Pensarão que eu penso.

Quem usa o verbo pensar não pensa.

O escritor escreve para adivinhar o pensamento das pessoas.

Pensamento das pessoas não é redundância?

Os bichos pensam melhor quando não estão pensando.

Clarice acabou dando ao romance o título A maçã no escuro.

Hoje todo mundo quer ter ração.

O primeiro ensaio deste livro é sobre poesia. Podem colocar este livro em uma estante de poesias. Se houver.

Cadê o Manoel de Barros que estava aqui?

Se ele não está, eu também não estou.

Liguei para Manoel de Barros para dar os parabéns pelos 50 mil reais que ele ganhou. Não havia prêmios, à época, com essa quantia toda. O livro sobre nada foi o vencedor. Eu disse, ao telefone: Manoel, escrever sobre nada e ganhar isso tudo. E ele riu. E me falou: minha poesia não gosta de dinheiro, mas o poeta gosta. Manoel era todo prosa.

ABRO RABO

Tenho a ideia de convidar escritores com cinquenta anos. Para uma antologia pornográfica chamada Cinquentões de cinza.

Tente escrever um conto erótico sem usar carícias, arrepios, intensamente, loucamente, falo ereto, peitos intumescidos.

Eu já fiquei de pau duro lendo a Bíblia.

Adoro criar epígrafes para meus livros.

“Prefiro a solidão dos ensaios.”
I. M. Moskvín, ator russo.

Ninguém vai procurar no Google para saber se Moskvín existiu.

Mas que ele em algum momento falou isto, ah, ele falou.

A solidão dos ensaios teria sido um bom título para este livro.

O público estraga os ensaios.

Poesia ruim é aquela que fica esperando o leitor chegar.

Aberto está o inferno é o título de um livro do saudoso contista sergipano Antônio Carlos Viana, colhido na obra de Franz Kafka.

Quando chegamos a um conto, aberto está o inferno. Quando saímos de um conto, aberto está o inferno.

Adeus ao Diabo.

Um conto termina quando um outro conto está começando.

Um romanasce.

Se você não sabe o que está escrevendo, não venha perguntar para mim.

Só escreva com palavras que você consiga vestir. E sair com elas à rua.

Eu não saio com um pretérito-mais-que-perfeito pendurado no pescoço.

Arara é o único pretérito-mais-que-perfeito que eu uso. Mesmo assim porque é substantivo.

 

 

> Marcelino Freire é escritor e produtor cultural, autor de Nossos ossos

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