Inédito.Antonio.Geraldo 1 Vitor Fugita.ago.22

 

 Abaixo, você lê o desejado das gentes, conto inédito do escritor Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira.

 

***

[...] e virá o desejado de todas as gentes;
e encherei de glória esta casa, diz o Senhor dos exércitos.
Minha é a prata, e meu é o ouro, diz o Senhor dos exércitos.
Ag 2, 8-9


era uma fila enorme, dobrando o quarteirão, ...um quinteirão dos infernos, pra não mentir, com todas as devidas letras, carentes de leitura ou solvência,

um vizinho me alertara, na hora do almoço, afirmando que escolheriam um papai noel um tanto fora dos padrões, qualquer coisa assim,

achei engraçado,

...o agenor da lurdinha, você o conhece,

sim, trabalha na caldeiraria,

fui, pois é..., e dei de cara, sem coragem, com um bando de candidatos a papai noel, procurando as fronteiras da sombra no chão, sob os beirais, porque novembro fritando ovos estalados no asfalto, recozidas antes as ideias, por extensas infelicidades anuais, prolongadas, mais que pelo mormaço da época,

sim, sim, as lambadas do sol e das premências, na cachola,

viver é cavar espaços, mesmo no mais duro concreto, descontadas as abstrações, supus, de caso pensado e revivido,

depois é que pedi, a nuca ardendo, mordida de luz, no chocalho da fila peçonhenta,

o senhor poderia dar dois passinhos pra lá, por gentileza?,

o que ordenei em inadvertida continência militar, juro, tamponando a claridade pra divisar um tanto as feições à frente, só isso, mas...,

remedamos inconscientes o pavor maior, por afastá-lo, quando dentro e escuso, entretanto estapeado na fuça de todos, com vermelhidões e estralos?,

uns fecham os olhos pra tudo, mas quem não quer ver também arregala as pálpebras, tirando loucura de má-fé, e versa-vice, esses gestos em falhados atos,
respirei devagar, escondendo de mim e dos pares o que fosse um novo suspiro, sinal impróprio de fraquezas, na disputa da almejada vaga,

onça ganha mais força no encalço da capivara coxa...,

e aprumei-me,

pedi pra guardarem o meu lugar, então,

queria ver o início daquela fieira que terminava numa porta fechada, de vidro temperado, na lateral do prédio, com uma cartolina cor-de-rosa pregada em fita adesiva, as letras azuis pinceladas provavelmente pelo mesmo funcionário que rabiscava as promoções da semana,

cartela de ovos caipiras, quilo de contrafilé, tubaína, sabão em pó, feijão carioquinha,

mas os dizeres sem os secos, e, mais, molhados de suor, as afogadas esperanças de cada um, ali, malcarregadas, transpirando-se na soalheira à toa de uma falta renitente de oportunidades,

...o sufoco, é assim que se fala?,


QUER SER O NOSSO PAPAI NOEL?
SELEÇÃO DOS CANDIDATOS −
DIA 23 DE NOVEMBRO
A PARTIR DAS 14h


um sulfite, logo abaixo, marcava o início da empreitada para o dia 2 de dezembro, primeiro domingo do advento, segundo o costume daquela conhecida casa comercial, nascida mera vendinha de esquina, uma porta, mas agora encorpado supermercado, cujo proprietário fosse homem devoto, ministro extraordinário da sagrada comunhão, patrocinador de benfeitorias várias na igreja matriz e, principalmente, na casa paroquial, de acordo com a voz do povo, que não maledizia os fatos, claro, senão apenas espalhando, pela própria boca ‒ a voz mesma de deus, consonante popular sabedoria −, a tinta nova nas paredes, a despesa do mês, com latas e mais latas de leite condensado e pêssegos em calda, mas, acima de tudo − ou abaixo, pra não errar nas alturas metafísicas do caso −, a antena parabólica do presbitério, com canal por assinatura e tudo, para condizente regozijo divino, mesmo que por terceiros,

...ou por quarto elemento, vá lá, que a trindade não haveria de engordar a família com os ossos de poucos ofícios do nosso pobre vigário, é ou não é?,

assisto à missa do galo ao vivo, direto do vaticano...,

ao cabo, padre também é filho de deus, mesmo que por distante criação, traduzi comigo, mas com nota explicativa,

assim,

pra meia-dúzia, o sol carrega as sombras, em possíveis e abertas fronteiras, ...pra meio mundo, as quenturas, de modo que um daqueles nós, ali, haveria de comemorar o fato de suar amarrado em monjolo, por dentro de desejadas roupas e barbas natalícias, as pancadas mesmas e doídas do destino enganoso de cada um, presepinho em que somos, na verdade, encarnados burros sem saber, entende?,

a programação ao avesso das solturas sem um rumo, belém ou santarém,

...um dia, tive de vir pra cidade, você sabe,

as vontades são conduzidas, sempre?, hein?,

isso mesmo, pois muito do que vemos agora, por aí e por aqui, que não sou bobo, é resultado dessas contas que não batem, desandadas,

meu menino, que não despega dos livros, diz ser alienação,

...mas desde a roça, já bem ciente sabedor, por marcas tipográficas no próprio couro, meu pai chamava de cabresto, negando em si uma embocadura que, antes, ajustara-o aos beiços moles do trote manso e insciente, coitado,

não, isso não é outra história,

perdoe-me desdizê-lo assim, na lata, discordando das águas carregadas, porque, na volta da cacimba, quem chacoalha a cabeça bebe menos, seja sim, seja não, maria ou joão...,

...ou mesmo nada bebe, o que será muito pior, possibilidade da queda construída para as aceitações em mudos e exagerados sim, senhores, escorados, tais vezes, em covardes talvezes, no que o grande erro, trepado aos muros falsamente divisórios das ações políticas, como se diz,

o biquinho calado pra molhar o bico, e só, percebe?,

sim, aprender a bochechar o cuspe e engoli-lo quieto, matando um tico da sede, pelo menos, ...do contrário, ai-ai,

bem, não adianta ruminar o escarro, e, uma hora, você vai ver...,

ora, ora, todas as histórias são encordoadas, de modo que não há repuxões sem esfiapados tropeços, meu amigo,

a história é sempre uma, distendida em histórias pra boi dormir, ...ou pra os burros ressonarem no ponto, guardando, uma vez por ano, a manjedoura vazia de uma salvação, por aqui, inalcançável,

não?,

explico-me, insistido no rifão a calhar, em grito surdo, a verdade daquele consagrado galo, cantando em nossas cabeças, isso sim,

três vezes infinitas vezes, agora e para sempre, tal como na testa de ferro daquele atônito pedro, mas um pedro hoje malasartes, em nós, aqui, descalços e de calcanhares rachados, arrastando as chinelas, ó:

a vida do pobre, que me lembro, não tem 25 de dezembro...,

no mais, é este caso, sim,

bem, revolto ao enredo, sem volteios ou embaraços, porque vejo a sua cara amarrada de espanto,

pois é, nunca engoli essa bobagem de linhas tortas, confesso...,

jura que acredita mesmo em reino dos céus?,



...olhei pra trás, então, e vi aquele renque de desempregados de todas as idades desdobrando a esquina com espremida afoiteza, por causa do atraso e do atarantado das gentes, serpenteando-se,

tive vontade de fugir, mas...,

notei que uma senhora idosa também enfrentava com reforjada dignidade a fileira, fiando-se, com certeza, numa barba postiça que lhe acoitasse o distinto gênero,

percebi que troçavam de sua peitaria, ao que respondeu seu tanto melhor assim, cambada de bocós!,

e levantava o queixo,

...isto aqui, ó, é economia de enchimento, redondando em maior e correta barriga, isso sim!

quando ainda, insatisfeita, pontuou rifonada, a ver se uma aparência proverbial lhe dava alguma pressuposta razão, ou mesmo sobrevinda vantagem,

...o diferente, às vezes, sai na frente!,

ela replicou em voz grossa, balangando os seios pesados, percebi, por antecipar uma caçoada que lhe viria no caso presumível de falseados falsetes, desmentida no tom das conversas, depois, caso escolhida, se um menino lhe pedisse uma bola, antes da fotografia,

...ou uma boneca, já que a vida cristã, com a graça dos homens, por lições mesmas e claras do filho em questão, querendo-se plena em liberdades, mas, por dissimuladas artes do tinhoso, hoje mascarado com a carantonha ao avesso do mesmo cristo, tão apenas sonhada, não acha?,

...templo é dinheiro?,

é o que digo, que-diga, diga-se, a saber,

o dízimo é a mãe das crenças e, ultimamente, dos votos...,

se a religião se despegasse da matéria, teríamos um mundo de fervorosos ateus,

sim, com esses aí, ó, a vaquinha indo-se ligeira pro brejo, arrastados os cordeiros de sempre, os camelos de tanto trabalhar, além dos muares de todas as espécies, parecença em inquestionáveis semelhanças,

...por outras palavras, a fidelidade canina como refinado ateísmo, este sim, política das boas, bem, chega de tolas resignações, não acha?,



...persignei-me,

o calor, por ironia, resvalando em mim um calafrio, que o mundo desanda, estacado, quando o demônio posto às rédeas, concluí,

passa, morte, que estou forte!,

sim, sim, esse cu-de-calango aí, entronado pelo povo, mesmo,

os caminhos da bifurcada língua de sua legião, não é?,

fake news, whatsapp, como dizem, repetidos, ...sobrerrepetidos, no sub-reptício de falsos novos tempos,

a política e a política, com a política,

então tá...,



pois é, uma senhora peitando sozinha o desemprego, em busca de sua altivez, ainda que meio marmanjada...,

senti vergonha de mim e voltei pro meu lugar,



o réptil crescera mais quatro sujeitos, quatro novos anéis..., o primeiro deles muito magro, o rosto chupado, os fiapos da barba rala amarelados até o caroço do pomo,

quando lhes cortei a frente, fez cara feia, tragando o cigarrinho até o filtro, estilingado com raiva para o meio da rua, enquanto bufava as últimas fumaças
pelas ventas, vorticoso,

obrigado, obrigado..., e meti-me no vão, forçando o espaço,

olhei-os com firmeza,

guardaram o lugar pra mim, cheguei faz tempo,

e fui malévolo,

...parece que a roupa não tem muita espuma, não,

pausei no dramático,

...deu pra ver pelo vidro, dependurada num cabidinho assim-assim, gestuei,

o espingolado rapaz apertou os lábios, inteiriço de sua parca e porca posição, na fila e na vida esquartejado, descrente de suas repentinas e minguadas chances, pururucando-se ali, em vão,

tem muita gente na fila?, disfarçou,

ô!, ...nem sei quantos, refrisei, e só então pus mais reparo,

em verdade, cada um dos candidatos exibia, com falso gosto, na própria pele, uma enganosa e paciente espera que, decerto, seria já o ato reflexo de um necessário calo, no colo do futuro bom velhinho, sujeito apto a se deixar fotografar com a molecada aboletando-se nele, por horas e horas a fio de barba bem branca, sem deixar cair, portanto, das feições assim amoitadas, sequer um pelinho de nylon do sorriso autocomplacente com uma situação de mal remediado desespero,

...mesmo porque, o mais sortudo de todos não chegaria empregado ao final de dezembro, é ou não é?,

por isso, creio, muitos não esconderam os dentes quando três senhores mais velhos despejaram a bunda largada na sarjeta, aproveitando-se do porte de um prédio de três andares que esticava sua ensombrada silhueta até os paralelepípedos da rua,

...todos em atitude que, por certo, os desqualificaria para a cansativa função noelícia,

três a menos, três a menos, intuía-se,

cheguei a tal entendimento observando, lá na frente, quatro sujeitos que jogavam o truco, em pé, disfarçando manilhas e bravatas com inusitados sussurros e poucos gestos,

cuidavam, ainda, que um deles vigiasse a porta da empresa, por discrição elementar das duplas, posto que o zap e a espadilha nas mãos do patrão, este
sim, pé que não é de sapé em todas as rodadas sociais,

como se sabe, mesmo quando não se quer saber...,

pobre, quando grita seis, toma nove!,

...porque de vez em quando um funcionário aparecia, espiando, espantado com o número crescente dos desocupados, o que lhe ensejaria, por certo, a deduragem de um ou outro candidato incapaz de sustentar o próprio corpo em pé, na rua da amargura, preocupação proativa que, aos olhos da gerência, talvez livrasse o alcagueta do corte de funcionários que a boataria da rádio-peão disseminava no depósito do supermercado, segundo me disseram, ali mesmo, em alto e mau tom, dois opositores, não sei se com as terceiras intenções de dissuadir alguns concorrentes circundantes mais desanimados, vai saber...,

Inédito.Antonio.Geraldo 2 Vitor Fugita.ago.22

 

fato é que, meia hora depois, perto das 15h30, o magricela, atrás de mim, foi mesmo embora, alegando estar de saco cheio, o que motivou alguns bons chistes daqueles que diziam que o saco do papai noel deveria ser cheio, mesmo, caramba!, bem cheio...,

falaram depois, é lógico, ... vai que o sujeito com a pá virada, alquebrado por tentar cavar a vida com esses movimentos incertos que, aos poucos, vão
enchendo o buraco raso de uma esperança falsamente descoberta, quando, por reiterado esforço, apenas procurasse abrir a passagem de uma vida mais sossegada, por que não?,

e, pois, nesse momento mesmo, cansado dos motejos da existência, resolvesse encher de porrada a cara do infeliz piadista, rolando com o desorado cômico pela rua, aos socos e safanões, peleja que não se esperaria de qualquer funcionário do mês, quanto mais do papai noel, em pleno dezembro, concorda?,
não, não tive remorsos,

mesmo atrás, um caboclo pode acabar na frente da gente, não por mérito, que isso não existe, mas por cagada, mesmo, suas feições ao agrado casuístico do gerente, e só...,

um homem previdente, meu caro, antecipa as desgraças, fazendo de seu pessimismo, hoje, a estratégia comportamental de ontens e anteontens, tudo para não tropeçar nos amanhãs...,

como o agenor não me soubera explicar a diferença pretendida nas características tais e quais do novedio papai noel, aquele sujeitinho escanzelado se avulta-
va teúdo na miséria opositora, vestindo, na minha imaginação, supostas roupas verdes e amarelas,

...e sem barbas, visto que as ideologias haveriam de dependurar, no pau de arara, até mesmo os velhotes apenas aparentemente marxistas, hirsutos distribuidores dos parcos mimos para esses miseráveis que não tiveram o mérito de poder comprá-los, de preferência, nas gôndolas do supermercado O BARATÃO,

dizem que o proprietário ameaçara de sumário pé na bunda aqueles que não votassem nesse daí...,

bem, pra completar o adágio anterior, ...no atrito dos pobres, o patrão entra nos cobres,

sim, sim, principalmente quando todos amassando o mesmo poço, onde se esmeram lá no fundo, esboroadas as paredes, numa sufocação de barro do dia a dia, sapateada até as canelas, como lhe disse,

de todo modo, eu evitava me encostar no muro, aquele hábito de escorar-se com o solado de um dos pés, fazendo o quatro, vezo de quem se consola dos próprios passos empacados na existência, ressolhando, em símbolo numérico dessa desprezível posição, as dores tensas e pensas do mundo, entende?,

sim, eu cismava...,



o que perguntariam numa entrevista para papai noel de supermercado?,

tem filhos?, netos?, problema nos joelhos?,

por falar em aparências, fiquei meio puto com um velhote de barba branca natural, cujo prazer era cofiar uma longa superioridade cultivada, supondo sair à frente de todos, ali, desempregados que entraram na fila de um bico sem-vergonha que lhes trouxesse um mês de sossego, ou nem isso, ... a passagem de ano com uns trocados na carteira, nada mais,

não aguentei a sua desfaçatez e falei bem alto,

ó, ...o senhor, se quiser ser escolhido, vai ter de rapar essas penugens da cara, viu?,

todos riram, sublinhando as gargalhadas, com a óbvia intenção de lhe baixar o moral dos pelos, ao menos,

confesso que me arrependi, porque o coitado não encostou mais os dedos no rosto, cabisbaixado numa deprimente seriedade minoritária que eu mesmo
conhecia melhor do que ninguém,

tentei consertar,

... mas até que é uma barbinha bonita!,

o que provocou mais risos, por presumida ironia, a contrapelo, tem cabimento?,

vi também que, por conta da atenção que chamei, muitos passaram a olhar torto pra mim, tirando os olhos da reta do próprio rabo, ...e a rir, fingindo comedimento, pra melhor escancarar os preconceitos,

agora são autorizadas modas, né?,

um chegou a dizer, com os cantos da boca, haja maquilagem!,

não liguei, estou acostumado,

o próprio agenor, diante do meu calejado ceticismo, na porta de casa, explicou que tinha ouvido dizer que queriam um papai noel meio diferentão, mesmo,
de modo que..., por isso vim, caralho!,

não ia perder tempo pra balbuciar um papel de bobo que eu sei de cor e salteado, desde que nasci!,

o agenor é amigão do gerente, ...seu flávio, se não me falha a memória,

e empaquei na minha decisão, por teimosia,

foda-se!, agora mesmo é que vou até o fim, fico aqui até a meia-noite, ...varo a madrugada!,



bem, bem, bem, se a bíblia descreve as sete portas do universo, como dizem, a partir daquele dia o mundo teria uma oitava, poxa, pois passava das 17h quando a fila começou a andar, acredita?,

uns bateram palmas, até, outros xingaram baixinho, resmungando as murmúrias lamentosas de uma tremenda falta de respeito, era o que era,



quando entrei, vi a cara de bosta do gerente, de saco cheio com aquilo,

o ventilador estava ligado no último, as janelas escancaradas, de modo que a catinga de suor da gentalhada se dissipasse mais ou menos,

preenchi uma ficha,

enquanto eu escrevia, seu flávio, sim, era flávio, mesmo, perguntou a respeito do meu trabalho, antes, e me pediu pra fazer o rô-rô-rô da tradição,

baritonei, caprichando numa alegria inexistente, mas crível,

vida de pobre é fingir as mentiras, até serem uma verdade à força, por cotidiana conveniência, não acha?,

ou, pra citar de novo o meu falecido pai, carne dura, só a marteladas, né?,

ah, pai..., por que não completou o provérbio, revelando que essa carne tem os nossos músculos, hein?, ...o osso duro que roemos dos próprios braços,

o emprego é seu, ele disse, de supetão, expulsando meu velho ingênuo da sala e de mim mesmo,

levei um susto, claro,

quase cheguei a sorrir de verdade, no que me segurei, pra não gorar, com alegria indevida, o tom que imprimira à falsa e muito maior felicidade anterior,
agora apenas ronronada, como se 25 de dezembro se estendesse por todos os dias do ano, em sussurro que não contrariasse o destino, sempre apatronado...,

é triste, sei disso, mas a alienação às vezes reconforta..., quem nunca passou necessidade não há de compreender esse desafogo,



saí da sala e ganhei a rua com aquele mesmo funcionário puxa-saco, beleguim de merda que trancou a porta por fora e esparramou umas trinta pessoas, ainda, dizendo com gosto que a vaga estava preenchida,

o pelego exercia, com o bridão que lhe embocaram, a aprendizagem das maldades que vinham de cima, o que pra mim, no meu triste entender, muito explica do que houve nas últimas eleições,

ano que vem tem mais..., pisoteou-os, rindo-se,

sim, ...quando as ancas subalternas se querem mais espadaúdas que as costas quentes do proprietário,

como diz meu filho, a desgraça estrutural...,

isso, isso mesmo, boa acepção para o conceito figurado de uma besta de cabo eleitoral a rabo de eleitor, ...este, o órgão onde tomará aquilo que o cavalo oferece comumente às éguas, atrás dos cochos, das manjedouras, dentro de nossas casas, ano após ano,

a dureza em riste da vida, criando cus no rego alheio, é ou não é?,

o mais é pouco, meu caro, a gente não floreia os desacertos,

vou lhe dizer o que houve, em poucas palavras,

um minuto, ...me deixa respirar um pouquinho, antes,

a meninada, no dia 2, apareceu em peso e contrapesos...,

gostaram de mim,

tirei fotos,

confesso que omiti aquela conversinha de obediência, porque as artes da molecagem bem podem moldar alguma autonomia futura,

meu pai nunca admitiu a vara de marmelo, sabia?,

então, calei-me, e, no fim, como nos começos e meios, segui o transpirado figurino,

mas quando o entretanto se fia em ens, nens e poréns...,

o ingênuo sou eu?,

um pai de família, nem bem me viu, catou o filho na marra, muito brabo, pra que não chegasse perto de mim,

com o rabo dos olhos, percebi,

discutiu com a mãe da criança, mordeu os beiços, até, ...mandou o moleque calar a boca,

e saíram, batendo ascos e cascos, o menino arrastado, chorando as birras empacadas,

foi isso...,

no dia seguinte, 3 de dezembro de 2018, o gerente me chamou, antes que eu vestisse as roupas,

olha, seu rainério..., eu, ...eu não vou enrolar, não, que não é do meu feitio, ...o dono aqui me pediu um papai noel diferente, feito o senhor mesmo, entende?,

então, tá, respondi, eu sou só empregado, e...,

é que a campanha política, o senhor sabe, o proprietário apoiou o...,

bom, parece que vários clientes assim, ...assim, como o senhor, pararam de comprar aqui, e...,

a boataria,

a gente, então, tentou com o senhor, né?,

mas ontem mesmo, sabe..., um pai, ...um pai encafifou feio, conhece mais ou menos o dono, procurou-o em casa, pessoalmente, acredita?,

falou dos hábitos e costumes, da tradição, ...essas coisas,

todo mundo sabe, né?,

o senhor me desculpe a franqueza, mas tem lógica,

papai noel de cor não existe,

...ele foi mais grosso que eu, com todas as letras,

falou que papai noel preto não existe, ...falou assim mesmo, desse jeitinho,

então, bom, então..., olha, vou lhe pagar o dia de hoje, também, não se preocupe, mas tive de contratar outro, fui obrigado,

...um papai noel de verdade, compreende?,

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