1.
Sua pressa me legou um maço de cigarros, com o qual agora economizo, por vinte e quatro horas, o preço do próximo.
2.
É compreensível e até agradeço, pois um ADEUS longo demais, que porventura dure mais que um segundo, acaba arrastando-se pela vida toda, melhor seria não chegar sequer à segunda vogal, mas que você desaparecesse com aquela consoante linguodental, sim, aquele d, já que minha língua de agora em diante há-de tocar somente meus próprios dentes.
3.
Comecei a fumar porque você fuma e eu certamente não queria viver mais que você. Agora já sem o seu hálito, suas bitucas e cinzas na mesma cama, começo o dia com um cigarro, exatamente e ainda pelo mesmo motivo.
4.
Uma amiga impertinente me pede, já que eu agora estou passando pelo vale da sombra onde a morte vai bege pela passarela, com ombreiras e calças de cintura alta, que eu diga o que é a tristeza, que eu a poetize para uso comunitário, que eu, ora, entretenha, feito um mico-leão bege, a ela e a meus outros cinco leitores com malabarismos de vocabulário qualquer.
5.
Não sei, querida vaca companheira de pasto e capim pisoteado por machos, estes bois com limiar de atenção retardada e deficitária, qual a imagem mais apta, que analogia eu teceria para esta tristeza banalíssima, talvez a única seja a confissão do fato de por dias não mais poder masturbar-me com a imaginação, mas tão-somente com a memória do que já não pode nem há-de repetir-se.
(...)
6.
Fumo na banheira mas, com o cinzeiro esquecido no quarto, bato as cinzas na água mesmo, pensando que é simples e é apropriado, como se eu estivesse me banhando nas águas do Ganges e os restos queimados de mortos passassem, descendo a correnteza deste rio que confesso mal saber onde desemboca.
9.
Esperei por você no café português para nossa última conversa, queria estar lendo e fumando quando você chegasse, com tranquilidade fingida e estudada. Seu atraso custou-me quatro cigarros consecutivos, o que, segundo as estatísticas, significa 44 minutos menos de expectativa de vida. Unidos aos seus quinze minutos de atraso, digamos uma hora a menos no mundo. Perda nenhuma. O vento me descabelava e eu lutava bravamente contra mais esta desordem. Você chegou, obviamente, no intervalo entre o quarto e o quinto.
12.
Fumando na chuva, curvado e ainda mais corcunda, preferindo proteger o cigarro, não a nuca.
15.
Você mora na Berlim Ocidental, eu na Oriental, mas o Muro caiu já há duas décadas. O que antes era o motivo único para minhas visitas a seu hemisfério torna-se agora um novo Muro imaginário, de um lado o seu território, do outro o meu habitat, e, como sempre, acabo do lado onde mais uma vez tudo é oferto e gratuito mas indesejado, onde o que a população quer é fugir para o outro lado, onde a sua população preza a liberdade individual das carreiras solo e acumula para si o que poderia, talvez, quiçá num mundo apaixonado, ser compartilhado, comum.
17.
Passo a fumar à francesa segundo a sua descrição e nomenclatura: com o cigarro na mão direita levo-o ao canto esquerdo da boca, deixo os dedos levemente abertos com o cigarro nos lábios entre o indicador e o dedo médio, fazendo côncavas as bochechas com a inspiração do fumo, mas talvez eu esteja apenas imitando-o agora à distância.
Confira a segunda matéria de Inéditos: Balzac, o amor e outros demônios