SCI-FARSA


 ““Luuucas! Você precisa de foco! Como quer vender? Você precisa entender que o mundo mudou, somos globalizados, pense grande! Foco, Lucas, foco foco foco! Repete comigo. Foooóco!”

 

Essa frase não sai da minha cabeça. Ouvi na última reunião com a editora e desde então tenho pesadelos globalizados. Sonho com personagens japonesas lésbicas imigrantes se apaixonando por padres protestantes que se convertem ao islamismo e descobrem ser grandes jogadores de futebol em um retiro no Oriente Médio, fazendo o gol da vitória do campeonato mundial de sei lá o quê.

 

Outro dia, meio dormindo, imaginei encontrar uma senhora de olhos violetas que me dizia “duas semanas em primeiro lugar em Saturno. As saturninas te amam,” e depois me bolinava com seus tentáculos.

 

Socorro. O trauma é tanto que fui procurar minha psicóloga e descobri que a falta de foco está relacionada ao medo do futuro. Mas como não ter medo do futuro com esses filmes me aterrorizando dia e noite. Sou um cara influenciável. Leio o globo terrestre. A versão globalizada de o Globo. Sofro até hoje pensando na baba que pingou em Alien, o oitavo passageiro. Não posso pisar em uma poça de xixi que penso: é ele!

 

Saiba que nunca mais fui à praia desde que vi Tubarão. Fiquei meses sem ver TV depois de Poltergeist e larguei a ioga depois que vi a menininha de O exorcista descendo a escada de cabeça para baixo. Sei lá, não era legal. Acho que todos são ETs por causa de Men in black e toda vez que um cano estoura na rua, acho que seremos exterminados como em Guerra dos mundos. O único filme que não me assusta é O Chamado. Não posso respeitar um fantasma que se acha atendente de telemarketing e fica importunando os outros com aquele papo de “7 days…”. Minha gerente de banco assusta bem mais do que isso, posso garantir. Boa tarde, senhor Lucas. Estamos com um novo título de capitalização… 7 days my ass.

 

Mas o futuro pode ser bem pior que os meus pesadelos. Você vai encontrar aquele amigo que não vê desde sempre e falar “350 já? O corpinho é de 240! E a voz robotrônica está um charme.”

 

Ele prontamente irá responder “instalei um sintetizador vocal do Darth Vader na traqueia. Ganhei de brinde quando comprei o sintetizador da Britney Spears para a minha filha.”

Sim, porque se seremos imortais a Britney também será, meu amigo. Os estádios na lua irão lotar com apresentações da banda Apocalypso, com entradas triunfais direto de suas naves. E, pior, as roupas douradas que eles usam estarão na moda para todos nós.

 

Não teremos mais ônibus. Você será assaltado no seu transportador de multineutrons e se uma mosca entrar com você, já sabe, David Cronenberg avisou. Vai ter que comprar roupas em outra rede mundial.

 

Esqueça também a identidade, usaremos apenas leitores de digital. Tendinite certa. E o de íris? Já pensou uma epidemia de conjuntivite? Não teremos mais gripe do frango, pois ele, um ser evoluído, já fabricará seus próprios antibióticos, e poderemos criar peixes fora do aquário, levando-os para passear na coleira.

 

De manhã, acabou o sucrilho, você vai para o banheiro. Quando senta na privada ouve um “bom dia, Sr. Lucas. Gostou do café? Posso ler o seu horóscopo?” Muito inspirador. A quiromancia se transformando em leitura de linhas da nádega esquerda. Sua linha da vida, Sr. Lucas, é tão longa.

 

Mas, não sejamos pessimistas, o futuro tem seu lado bom. Ecologistas poderão se fundir geneticamente às espécies que defendem, estudando melhor seus modos de vida. Mulheres-pinguim, homens-tartaruga de Galápagos. O exame de próstata será feito a laser, executado pelo ET, o Extraterrestre, que enfim encontrará uma carreira que o aceite. Quando você pensa em laser como Amplificação de Luz por Emissão Estimulada de Radiação a coisa fica ainda mais estranha.

 

Ai, o futuro, a humanidade mais unida, todos no único pedaço de terra que sobreviveu à destruição do meioambiente… a Antártida. Será que vai existir alguma livraria por lá?

  

CINEMA EXPERIMENTAL

 

Esse fim de semana, passei entre cineastas. Entre cineastas e um monte de garrafas, para ser sincero. Não. Não era exposição de arte moderna, era uma festinha mesmo. Entre uma taça e outra, fui tentado com a proposta de ter um filme sobre a minha vida. Rá rá. Você nem me conhece e já querem filmar minha biografia nãoautorizada. Se tem uma coisa que um bom vinho faz é aumentar o grau de aceitação das coisas. Depois da segunda garrafa você aceita tudo. Os ETs teriam mais sucesso com abduções se viessem com um Sommelier. É I do pra lá, I do para cá, os mais letrados em francês, esticando bem o bico, porque quanto mais bico mais cultura (e álcool no sangue, é claro). Além do mais, não pega bem recusar um convite deste porre e deste porte.

 

Prefiro ser discreto e guardar para mim os nomes dos responsáveis pelo projeto. Por tanto os chamarei de P, J e V – o que não faz a menor diferença, já que não falarei mais deles durante o texto. Ou você acha que com uma oportunidade dessas eu ia ficar falando de terceiros?

 

Pois eles estavam lá. Cheguei meio desconfiado, mas os sanduíches de queijo bola logo desarmaram a guarda. A rúcula, como de hábito, separei no pratinho. Rúcula não combina com audiovisual. É coisa que se aprende desde cedo.

 

Já o vinho... A armadilha estava funcionando. Papos sobre literatura começaram. Falei sobre Vigna e seu A um passo. Retrucaram com Lessons with Eisenstein, de um de seus alunos. Anotei a dica em meu caderninho, apesar de não ter ideia de como escrever o nome do cara. Escrever Eisenstein bêbado funciona melhor que teste de bafômetro. Falei um pouco sobre Dostoiévski e só parei quando se assustaram com meu sonho erótico envolvendo o Raskolnikov. Detesto parecer amante de Dostoiévski, melhor gostar de gibizinho, mas por circunstâncias esquisitas ando lendo o tiozão demais. A tradução, porque russo pra mim é um urso escrito com pressa.

 

O biquinho? Ainda estou ensaiando, um idioma por vez.

 

Quando percebi, estávamos nas adaptações. As boas e más. Cineastas gostam de dividir tudo entre os bons, os maus e os feios, você deve saber. Pintou Estorvo – o filme, não o seu vizinho – inclassificável. Rolou As horas. Papo cinéfilo que se preze passa por ele, nem que seja o garçom falando no fim da noite: vamos fechar, já passou da… Tá, essa foi péssima. Nem tive coragem de terminar a frase. Falamos de muitos. Os ruins que se acham, os bons que se calam. Falamos de bobagens, um monte de coisa. E finalmente, umas três garrafas depois, me fizeram a oferta:

 

Um filme sobre a minha vida, sei.

 

Bons atores? Adoraria ajudar a escolher os atores. Profissionais? Escola de teatro? Alguns testes. Rostos novos. Terá frescor. Mais frescor. Menta no bloco de gelo. Desconhecidos! Desconhecidos e baratos, deixemos claro. Esquece a escola? Só um ator, o restante sombras na parede… vozes, isso, vozes do além… gritos, sussurros distorcidos, tudo pós-moderno… luzes vermelhas que lembram os quartinhos do Vaticano… continuem… vai… só uma câmera, uma lanterna, A bruxa de blair em 3D.

 

Sem dinheiro para a lanterna? Acabou a pilha? Muito caro. Uma hora e vinte. Cortar a luz. Sem figurino. Todo mundo nu.

 

Um curta? 15 minutos? 12? 8.

 

Sorri. Bebi mais um gole. As garrafas sobre a mesa já custavam mais caro que o filme da minha vida. Falei de Kiarostami e me despedi, um sabor de cereja na boca.

 

Decidimos que o filme sobre a minha vida não teria atores. Seria uma vídeoarte filmada no escuro com o homem do Rá gritando e cenas extirpadas de vídeos da Enya projetadas de cabeça para baixo num lustre vitoriano. Nada como descobrir que o filme da sua vida rende um curta de 8 minutos. Logo 8.

 

Eric Novello é autor do romance Neon azul (Editora Draco). Esses dois contos trazem momentos distintos do personagem Lucas, frequente na obra do escritor.

 

Confira a segunda matéria de Inéditos: O chef

SFbBox by casino froutakia