pizarnik cover

Seleção e tradução: Lucila Nogueira

Para Janes Joplin (fragmentos)

A cantar docemente e a morrer logo.

não:

a gritar.

Assim como dorme a cigana de Rousseau.

assim cantas, mas as lições do terror.

Há que chorar até quebrar-se

para criar ou dizer uma pequena canção,

gritar tanto para cobrir as feridas da ausência

isso você fez, eu também.

eu me pergunto se isso não aumentou o erro.

Fizeste bem em morrer.

por isso te falo,

por isso eu me confio a uma menina monstruosa.


Falando contigo

a H. M.


estou apavorada.

a mim sobreveio o que eu mais temia.

não estou em dificuldades:

estou em não poder mais.

não abandonei o vazio e o deserto.

vivo em perigo.

teu canto não me ajuda

cada vez mais ameaças

mais nervos

mais sombras negras.


Cantora noturna

Joe, macht die Musik von damals nacht…

A Olga Orozco

Aquela que morreu por causa do seu vestido azul está cantando. Canta na plenitude da morte ao sol da sua embriaguez. Por dentro de sua canção há um vestido azul, há um cavalo branco, há um coração verde tatuado com os ecos das batidas de seu morto coração. Exposta a todas as perdições, ela canta junto a uma menina perdida que é ela mesma: seu amuleto da boa sorte. E apesar da névoa verde nos lábios e do frio cinza nos olhos, sua voz corrói a distância que se abre entre a sede e a mão que busca o copo. Ela canta.

(…) do silêncio

…está todo en algún idioma que no conozco…

L.C. (A través del espejo)

Sinto o mundo chorar como língua estrangeira.

Cecília Meireles

Ils jouent la pièce en étranger.

Michaux

…alguien mató algo.

L. Carroll (A través del espejo)

I

Esta boneca vestida de azul é minha emissária no mundo.

Seus olhos são de órfã quando chove em um laguinho onde o pássaro lilás devora lilases e um pássaro rosa devora rosas.

Tenho medo do lobo cinza que se dissimula na chuva

O que se vê, o que se vai, é invisível.

As palavras fecham todas as portas.

Recordo o tempo sobre os álamos queridos.

O arcaísmo do meu drama determinou, em minha criatura dividida, uma câmara letal.

Eu era o impossível e também o desgarramento pelo impossível.

Oh a cor infernal das minhas paixões

Sem dúvida, fiquei cativa da antiga ternura

II

Não há quem pinte com cores verdes.

Tudo é alaranjado.

Se eu sou algo sou violência.

As cores raiam o silêncio e criam animais deteriorados. Logo alguém vai tentar escrever um poema. E será mediante as formas, as cores, o desamor, a lucidez (não continuo porque não quero assustar as crianças).

III

O poema é espaço e fere. Não sou como minha boneca, que só se nutre de leite de pássaro.

Memória de sua voz na manhã funesta velada por um sol que reverbera nos olhos das tartarugas.

O da sua voz é uma lembrança que me faz perder o conhecimento frente a esta conjunção celeste e verde de mar e céu.

Eu preparo minha morte.

Moradas

Dedicado a Théodore Fraenkel

na mão crispada de um morto,

na memória de um morto,

na tristeza de um menino,

na mão que busca o vaso,

no copo inalcançável,

na sede de sempre.

Sombra dos dias que virão

A Ivonne A. Bordelois

Amanhã

Me vestirão com cinzas da madrugada,

Me encherão a boca de flores.

Aprenderei a dormir

Na memória de um muro,

Na respiração

De um animal que sonha.

Poema para Emily Dickinson

Do outro lado da noite

a espera seu nome,

seu dissimulado desejo de viver

do outro lado da noite!

Algo chora no ar

os sonhos desenham a madrugada.

Ela pensa na eternidade

Caroline de Gunderode

En nostalgique je vagabondais par l’infini

C. e G.

A mão da enamorada do vento

acaricia o rosto do ausente.

A alucinada por sua “maleta de pele de pássaro”

foge de si mesma com a faca na memória.

A que foi devorada pelo espelho

entra em um cofre de cinzas

e vem apaziguar as bestas do esquecimento.

a Enrique Molina

A um poema sobre a água, de Silvina Ocampo

A Silvina y a la condesa de Tripoli

que emana toda la noche profecías

O. Paz

Teu modo de silenciar-te no poema

me abres como a uma flor

(sem dúvida uma flor pobre, lamentável)

que já não esperava a terrível delicadeza

da primavera. Me abres, me abro,

me envolvo de água em teu poema de água.

Que emana toda noite profecias.

Olhos primitivos

A cor infernal de algumas paixões, uma antiga ternura. Os faltos de algo, de todo, ao sol negro de seus desejos elementais, excessivos, não cumpridos.

Alguém canta uma canção da cor do nascimento: pelo estribilho para a outra com sua coroa prateada. Jogam-me pedras. Eu já não olho nunca o imperioso dos campos. Sempre viva lá no fundo há uma rainha morta.

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