Ilustração por Janio Santos

 

Neste lugar

 

Nenhum traço de delicadeza,

Só palavras ávidas

E o tempo,

A devoração do tempo.

 

Um jardim entregue

Às chuvas e aos ventos.

 

O que para os cães

É febre de matança

E para um deus

Um dos seus inúmeros

Prazeres.

 

Caminhos de sangue

Onde reina o amor primeiro,

Morada de súbita

Ausência do medo.

 

Um despenhadeiro, o céu

E uma queda

Sem alívio de esquecimento.

 

Nesta hora

 

O espasmo e um facho de luz

Embebido nos vitrais de um templo,

Ou talvez um dilúvio,

A voragem do estupro, e então

A calma trevosa debaixo d’água —

 

Algum arrebatamento

Algum sortilégio sobre a realidade

Que deixa um corpo lívido e cheio de glória

Como reminiscência de um bosque

Rebrilhando em noite de geada.

 

Por um fio

 

A casa deserta

Como se todos estivessem mortos.

Essa quietude de ápice consumado.

Um rastro de seda e a aranha

Numa dança mínima

Gozando a espera desapressada.

 

De tal modo sutil

Esse fio, esse elo com as coisas,

Que é real ondear pelos ares,

Gentil pedir licença às noites,

Agradecer pela acolhida

Ao corredor das velhas estátuas.

 

Uma bondade a salvo de explicações

Que este lugar exista,

Sendo tão mais humano

Que nada, mundo nenhum vingasse.

Uma beleza sem quem a perceba

Ser o fantasma desta casa.

 

Hospedeiros

 

Como saber que era em nós

Esse animal de mansuetude,

Enormidade feita de clemência

E de veludo

 

E que podia viver por tanto tempo

Bem guardado sob a pele,

Espelho dessas criaturas

Abissais, meio fantásticas,

Que não conhecem a luz.

 

Que de todos os possíveis

Ficaria essa trilhada

Em que os pés vão sozinhos,

Sábios embrutecidos

De vasculhar entre despojos

 

Como tem as palmas calejadas

De enfeixar o trigo uma ceifeira,

Como tem o peito crestado

De se dar ao mar um pescador.

 

Instinto

 

Porque um dia te chamei

Para sempre me persegues

E já não me estilhaça

O quanto perco

Nem fingir que me despeço

Como se fizesse do silêncio

O véu de um corpo —

 

Porque de estar contigo

Já não me despeço —

Pode um remanso

Ir me tomando à força,

Ameaçando me chegar à boca,

Infinitamente mais escuro

E raptor, teu beijo é ósculo.

 

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