Um jambo levou Gauguim ao Tahiti. Por um jambo, Frederico pulou o muro do convento para só encontrar flores murchas na volta.
Os gatos ainda inertes, café calado, descia ele, descalço, pela rua de pedras grossas.
Uma falha do muro ajudava-o a ultrapassar a barreira de tijolos e cal.
Do outro lado, os homens de túnicas e mantos marrons lhe afagavam o ventre com os mais intermináveis exemplares.
Gostava especiamente dos pequenos frutos brancos, sem o contraste generoso da pele rubra com a polpa alvíssima.
Os jambos brancos e diminutos, de pele clara e reluzente como porcelana ou parafina. Não gostava de contrastes.
Lustrava com as bordas da camisa as superfícies em membrana para, só então, agredir a fruta com seus caninos macios.
Seus pelos ficavam levemente eriçados ao suave odor de rosa desprendendo-se dos frutos.
Gostava de se abrigar sob as grandes pirâmides vegetais, mais de vinte metros de folhas em trama, deixando o céu ainda mais longe.
Por sobre retângulos, cinzas, canaletas inglesas, vermelhos e degraus, no exato lugar onde os meninos rasgam suas bermudas e simulam saias para emular as futuras princesas que serão, estão os frutos.
Os jambos vivem por cima das cópulas. Ajudam os meninos a descobrir a fricção.
O primeiro dos missionários antecipou-se: “Esta fruta que vos mostro é muito estimada nesta terra: veio de Málaca há pouco tempo, porque há muitas naquelas partes.
Mas dizei a que vos parece este pomo, pois é do tamanho de hum ovo de pata e algum tanto maior; já vedes como a cor dele é feita de branco e vermelho, e cheira a água rosada, de maneira que aos dois sentidos é aprazível.”
Jambo-vermelho, jambo-branco, jambo-bravo, jambo-rosa ou jambo-amarelo. Alguns vieram da Malásia, outros da Índia.
É especialmente recomendável caminhar sob as copas de janeiro a março, quando seus entornos se terão convertido em tapetes de uma pluma vegetal.
O momento para que mancebos como Frederico apreendam um dos mais nordestinos dos gestos. Saber colher e comer a flor de um jambo.
Os estames brancos, nunca menos de trezentos deles, estão ao centro da flor de base cônica, acre.
Bem no meio, erigido, o pístolo fino de cor verde.
Frederico se deixava adormercer sobre a terra escura rendada de flores derramadas, caleidoscópio em tons de púrpura, rosa, vermelho, lilás.
Os jambos não devem ir muito além de seu tamanho.
Veio para ensinar a manter um antigo mistério: quatro ou cinco jambos carnudos devem ser picados com o cuidado de quem rasga rendas.
Sempre sem pedir licença, que licença não se pede, como, certa feita, nos ensinou dona Cheiro, a velha ereta que há mais de sessenta anos vende seus jambos na mesma encruzilhada da feira de Campina Grande.
Outro ano, uns tantos e desavisados fiscais lhe foram perguntar pela licença para mercar as frutas.
Para os quais dona Cheiro, um jambo enorme, vermelho, preso pela boca, levantou as anágoas e, cuspindo a fruta com vigor, para longe, lhes respondeu: “Tá aqui minha licença”
Os jambos (preferencialmente os de dona Cheiro), devem ser temperados com duas colheres de açúcar, uma do claro, outra do mascavo, moreno, sugerindo certa promiscuidade respeitosa. Um tantinho do gengibre do mercado, ralado sobre os frutos.
Para excitar-lhes mais as narinas, uma meia colher de vinagre de boa uva. Numa panela de ágata, a infusão deve ser amaciada em fogo brando por dez minutos.
E então vertida sobre codornas assadas sem dissimulação. Para se comer às sextas-feiras e lembrar da origem.
O jambo veio antes do pão.