Colagem sobre reprodução de pintura de Fernando Botero

São negras na maioria. Densas, retintas, azuladas, ou mais decantadas, amendoadas, café, semitons que justificam a mestiçagem nacional. Volumosas, gorduras compactas, rijas, transbordando para as laterais dos biquínis lasceados. Estrias lindíssimas, geométricas, abstradas, em contraste com os lacinhos nas cinturas.

 

Fesceninas por conveniência e gosto, gastam as horas na felação de gordos mais ou menos orgulhosos ou indiferentes de suas barrigas para além da moldura. Os hálitos de cerveja ou azedos de caipirinha. Pirocas, na maior parte das vezes, sem fotogenia. Grandes demais, disformes, minúsculas, oblíquas como feijões.

 

Nem se preocupam em ir para os poucos motéis e casas de conveniência. Entre os arbustos e canteiros da praia íngreme, as areias brancas, alvíssimas, elas felam seus homens. Maior recato parecem ter as que se dirigem para depois das pedras do dique.

 

Marlene é uma delas. Obscena mais por conveniência que vocação.

 

Nasceu em terras de usina, antes glebas de engenho. Veio em busca de algo que, só aqui, descobriu ter nome. Dignidade. Algo assim. Deixou os filhos com a mãe, uma cabocla de cachimbos, rezas e remédios de quintal.

 

Achou emprego numa venda. Além de miudezas, comercializava potes plásticos para exame de urina e fezes. Rotina compacta. Acordar, limpar quintal, milho pras três ou quatro galinhas, uma cerveja depois da novela, depilação cirúrgica e cotidiana. Odeia pêlos. Acumulam odores.

 

Arruma os potes com a dignidade que busca. É bom sentir-se útil. Saber-se solidária na eliminação dos parasistas, vermes gulosos, comedores de anos e intestinos na vila.

 

Como o dinheiro, além de pouco, pouco aparecesse, foi bater na praia. Ela se deixava encantar com a sonoridade de certas palavras. Calada, repetia, para si. “Boceta, boceta, boceta, boceta”. E ria-se toda por dentro. Palavras nunca antes faladas.

 

Aprendeu uma técnica de desobsessão. Rezava um Pai Nosso, mentaliza a casa, e pede que se levem os espíritos perdidos para seus caminhos de luz. Rogava que lhes imputassem a regressão para lembrarem do planeta de pedras. O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Rezava mais um Pai Nosso.

 

Sentia-se em si quando olhava longamente para o mar. Constatou que não eram as águas. Era mais a luz, a luz prateada sobre o tapete líquido o que a atraía. “Gosto de luz”.

 

Paixão e indiferença moram nos olhos de Marlene.

 

 

SFbBox by casino froutakia