A publicação de Frankenstein, obra que nasceu no bojo do Romantismo, causou, em 1818, incrível repercussão, embora o nome de sua autora não aparecesse na capa, o que só aconteceu a partir da terceira edição, em 1831. É preciso destacar que há também a versão de que o livro teria sido escrito por muitas mãos, o que justificaria a não inscrição do nome da escritora nas duas primeiras edições. Mas a ausência inicial da autoria de Mary Shelley possivelmente se deu não por causa desses boatos ou mesmo por suas qualidades literárias ou estéticas, mas em função de suas provocações científicas e existenciais. É neste terreno que reina ainda hoje, embora sem o mesmo calor de debate.
Mas o que conta esse romance que causaria tanto impacto? O livro fala da história de Victor Frankenstein, um estudante de Ciências Naturais que constrói um monstro em seu laboratório. Considerada a obra-mãe da literatura de terror – em alguns casos, de horror – em muito pouco tempo, provocou grande influência na cultura popular, que via no monstro um exemplo da inquietação mágica do mundo – passando até mesmo pela feitiçaria. Na maioria dos casos o personagem é visto como um profundo desafio à criação. Sobretudo quando são provocadas questões espirituais, como: O homem é matéria ou espírito? Haveria no homem um lugar para a alma? E a partir daí se forma um debate inútil, mas a cada momento mais apaixonado: Haveria no homem talvez alguma divindade? Poderia ele concorrer com a criação? Daí porque o escritor francês André Mourois ter assegurado, em famoso artigo, que o homem não é criador. “Criador só Deus”, dizia. Recebeu, todavia, e imediatamente, a resposta de Sartre, “Deus é o criador, mas André Mourois também não é romancista”. Mesmo assim, a luta entre o criador e a criatura continua até hoje. Com um dado decisivo: A criatura Frankenstein continua viva, mas a sua criadora Mary Shelley não é mais lembrada. Neste caso, invertem-se os papéis mas confirma-se um dado curioso: o criador humano não é imortal.
A estratégia narrativa, mesmo sem ser genial, é muito interessante com o uso de cartas, o que sempre dá muita credibilidade ao texto. Assim, a história é narrada a partir das cartas do capitão Robert Walton a uma irmã enquanto comanda uma expedição que procura achar uma passagem para o Polo Norte. A estranha criatura é vista pela tripulação no instante em que o navio encalha. Naquele instante, o monstro é visto viajando num trenó puxado por cães. Uma visão, no mínimo, escandalosa. O navio, então, é agitado fortemente pelas águas. Passada a tormenta, a tripulação encontra Frankenstein – na verdade, Victor Frankenstein – amarrado numa balsa e resolve salvá-lo.
Esta mudança na história é acompanhada de uma mudança técnica radical: Nas cartas, o próprio Frankenstein assume o papel de narrador através do capitão Robert. Estratégia muitíssimo hábil, fazendo com que o leitor aceite com maior credibilidade e força a presença do curioso personagem. A narrativa torna-se tão verossímil quanto um documento histórico real, como queria a criadora Mary Shelley. E aí ocorre a mais revolucionária mudança estratégica na escritora: a história começa verdadeiramente, e tudo o que foi lido antes não passa de um prólogo, ou de um prefácio. Enfim, preparação para o leitor que até aí apenas conhece a história do capitão.
Por isso mesmo, a autora se revela não só uma escritora mas, essencialmente, uma sedutora, embora a crítica não a reconheça, sobretudo porque a personagem assumiu um enorme caráter autônomo. Empenhado em criar um ser humano gigantesco, o estudante Victor Frankenstein – agora também, e a seu modo, um narrador —, estuda ciências ocultas, ciências naturais, alquimia e se aprofunda no estudo da geração da vida, até que se determina em criar um ser humano. Investe todos os seus conhecimentos, mas comete erros incríveis. Tudo isso conta ao capitão e é a sua voz que chega ao leitor, já agora completamente seduzido. Estas técnicas narrativas são chamadas de Moldura e Quadro. Moldura significaria a narrativa que circula e até embeleza a história central, enquanto Quadro é a própria história, foco fundamental e necessário para todo o texto. Assim, o romance merece maior atenção dos estudiosos da intimidade do texto, sobretudo considerando os “elementos essenciais da narrativa”.
Apesar de tudo, e dos altos níveis de venda que alcançou, o texto nem sempre foi reconhecido como algo profundamente literário, complexo e sedutor. Sempre foi tratado com alguma indiferença. Ou muita indiferença. Por isso mesmo nunca é citado como um clássico marcado pelo romantismo.