Deolindo Tavares no Rio de Janeiro – A receptividade de sua poética

Poeta foi um desses jovens habitados pelo desejo de aventura e necessidade de ampliar o mundo. Como era do seu temperamento, tudo leva a crer que foi em busca de visibilidade para os seus poemas

Deolindo Tavares foi um desses jovens habitados pelo desejo de aventura, necessidade de ampliar seu mundo e, em fins de 1937 até 1940, esteve no Rio de Janeiro, na época, a capital e o centro cultural do país, que tanto fascínio exerceu sobre ele.

Como era do seu temperamento, tudo leva a crer que foi em busca de visibilidade para os seus poemas, e as oportunidades não se fizeram esperar: na revista Esfera aparece “O poeta repousará durante sete séculos”. Pouco tempo depois, nessa mesma revista, foi a vez de “Ausência”; em Boletim de Ariel são divulgados “Evasão” e a “A única”; outra colaboração aparece na Revista Dom Casmurro, com “Regressará a música escrita...” 

Na cidade que o encantava, Deolindo Tavares se envolveu com vários setores da cultura, como o recital de Graziela Cabral, também conhecida como “cigarra cabocla do Brasil”, que se apresentava no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Para o programa, o jovem pernambucano contribuiu com o poema “Assombração”, de inspiração folclórico-brasileira. Dentre as atividades no Rio de Janeiro, participa de evento social, em 16/12/1939, no Cassino da Urca, promovido pela Revista Dom Casmurro, em banquete oferecido para homenagear os ficcionistas de 1939. Em meio a mais de 200 escritores presentes, como Cassiano Ricardo, Jorge de Lima, Adalgisa, Yonne Stamato, Graciliano, José Lins do Rego, ali estava Deolindo Tavares.

 Esse também foi um período marcado pela proximidade com o maestro, pianista e compositor Waldemar Henrique da Costa Pereira, músico paraense de intensa produção, que se destacou pelos elementos folclóricos brasileiros em suas criações. Algumas letras de Deolindo Tavares foram musicadas por ele, como: “Maracatu”, “Pitomba madura”, “Tapioca quentinha”.

À parte, transcorria uma vida de dificuldades financeiras. Em “Poema de um dia de fome”, carregado de tom jocoso, lembra aqueles momentos de penúria e reflete sobre os tempos de juventude, no qual as dificuldades acabam por se revelar mais desafiadoras do que propriamente dramáticas:

Ah! poetas,

se vossas mãos não são frias neste fim de mês,

se não vos aparecem estrelas e constelações estranhas nesse meio-dia abrasante,

não acredito que haja poesia nos vossos poemas;

se no fim do mês

não ouvis ruídos que perturbam vossos sentidos

e vossos passos não são incertos,

ai de vossa poesia que nunca existiu;

se vossas pernas não estão trêmulas

como as flores açoitadas pelo vento do verão,

pobre de vossa poesia;

se não naufragais na escuridão de uma vertigem,

lede esse poema de um fim de mês

em que estou avistando presuntos e costeletas

pairando sobre minha cabeça,

vinhos e champagne molhando meus cabelos

nessa grande fome de fim de mês.

A ausência do poeta

As experiências constrangedoras pelas quais passou Deolindo Tavares implicaram na necessidade de o jovem ter de deixar sua cidade e voltar para o Rio de Janeiro, que coincidiu com o trágico evento de sua morte. O desaparecimento de Deolindo Tavares dos pontos de encontro com os amigos desencadeou consternação em muitos que o conheceram, o que deu margem a especulações de toda ordem sobre as reais causas de seu triste fim; e uma imediata tomada de consciência do ocorrido agitou os ambientes por onde o jovem circulava.

Foram inúmeras as conjecturas acerca da sua partida, alguns apontam que o jovem vivia “decepcionado e triste com a Faculdade, onde o seu temperamento de poeta estava em perpétuo choque com o ambiente”. Edilberto Coutinho defende uma posição oposta: entende que a causa foi a discriminação, as vaias e os xingamentos que ele recebia ao passar. Algum tempo depois, o amigo Mauro Mota escreve que a verdadeira “causa mortis” de Deolindo Tavares, acima de tudo, “foi a incompreensão do Recife”.

Recorda que ele era ainda muito jovem e já escrevia poemas significativos, por isso as atenções dos amigos voltaram-se para ele, mas também a dos “inimigos gratuitos”, que passaram a “injuriá-lo”. Ele “emigrou abatido e desencantado. Morreu no seu terceiro dia de Rio de Janeiro” diz Mauro, que também pergunta: “estes motivos de ordem moral não contribuíram para o seu desaparecimento tão brusco aos 20 anos?”.

Em confirmação a essa posição, Gilberto Freyre avalia que o período na Faculdade deve ter sido de tortura para Deolindo Tavares, por ser ele destinado à poesia e não ao Direito, e lastima que os colegas não se tenham dado conta da perda de oportunidade. A convivência poderia ter sido a chance de um momento de “festa”, por se tratar de um autêntico poeta; mas “para alguns” a celebração se transformou em “Sábado de Aleluia”, e o nosso jovem poeta apontado como se fosse o “Judas da Escola”.

Freyre recorda que Deolindo era todo “pudor do barulho” “e até do silêncio”, “para ouvi-lo, nós é que precisamos de ir ao encontro dele”. Aqueles que gracejavam “do seu ‘lirismo’ teriam acrescentado novas zonas de fraternidade a seu sentido estreito de vida”, caso tivessem se dado a chance de descobri-lo. Ainda acrescenta: “eram intensas as perseguições e zombarias pelos corredores para que o jovem abandonasse o lirismo e se tornasse realista, espartano, já que isso de idealismos e romantismos não eram coisas de homem, apupavam”.

Entre as inúmeras críticas recebidas por Deolindo Tavares, estavam aquelas direcionadas à sua personalidade retraída e até mesmo ao seu estilo extravagante de se vestir com camisas coloridas, como se usava no Rio de Janeiro, moda que aderiu quando lá esteve pela primeira vez – o que acabou por causar escândalo entre os colegas, como também o hábito de roupas pretas em situações cotidianas. É provável que essa tenha sido uma maneira de chamar a atenção, de se interpor ao “bom-mocismo” reinante no meio em que transitava, ou, talvez, somente o desejo de viver um dandysmo, à tropical.

Em realidade, “Deolindo Tavares irritava-se com a província”, “debatia-se como um pássaro” naquele ambiente, “onde tudo o reduzia à mais comezinha e medíocre existência”, como comenta outro amigo, José Borba, em “Lembrança de um Amigo morto”. Constrangia-o aquela atmosfera de humilhação e desvalorização em que vivia na cidade do Recife.

CONTEÚDO NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA

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