Viagens extraordinárias

Leitor voraz, autor de 23 livros, incluindo reveladora biografia sobre o pintor Pedro Américo, o advogado e escritor paraibano é também um viajante contumaz

Thélio Queiroz Farias publicou quase tantas obras quantas são as letras do alfabeto: 23. Um espírito de crônica anima a maioria delas, seja no sentido literário, histórico ou jornalístico da palavra. Destaque-se Além do Ipiranga: a extraordinária vida de Pedro Américo e suas incríveis facetas (coedição da Cepe e A União).

Fernando Pessoa, que escreveu um guia turístico de Lisboa, e mal saiu da cidade, disse: “a melhor maneira de viajar é sentir”. Viajantes “profissionais” como Thélio costumam inverter a frase, pois sabem que, muitas vezes, a melhor maneira de sentir é viajar. Sem perder de vista, é claro, as viagens para o interior de si mesmos, não descartam os exteriores, os Outros.

Nascido no interior da Paraíba (Campina Grande), há pouco mais de 50 anos, Thélio, gosta de conjugar o verbo ‘surpreender-se’, principalmente no exterior. Por isto já visitou quase cem países. Nesta entrevista exclusiva, ele fala dessas experiências, das convencionalmente turísticas às mais exóticas e imprevistas.

O interesse pela literatura, o gosto pelas letras, isso é uma tradição na tua família ou tu és aquele tipo de avis rara? Como foram o começo e o desdobramento até a publicação do teu primeiro livro, no teu trabalho como escritor?

Nasci em uma casa cheia de livros e cartões-postais (os que o meu pai mandava das viagens que fazia e os dos amigos a ele) Isso me marcou. Eu até coloquei num livrinho que publiquei com o meu discurso de posse na APL (Academia Paraíba de Letras): a infância é o chão que pisamos durante toda a vida. Livros não faltavam em minha casa. Meu pai era conhecido como seguro do dinheiro. Isso significa que se eu fosse pedir dinheiro para ir para uma festa, ele sempre perguntava “para que o dinheiro?” e “vai com quem?”. Mas seu pedisse o dinheiro para comprar livro, ou gibi, para comprar, ele era o que se diz “mão solta”. O valor da cultura, que não se limitava a livros. Se eu pedisse para ir ao teatro, também. Porém, se dissesse “estou precisando de uma calça...”, ele respondia: “Você já tem três? Para que você quer mais uma?”

Profissionalmente, ele fazia o quê?

Meu pai era o advogado principal da cidade de Campina Grande.

Mas com esse gosto que ele tinha pelas letras e pela cultura, está claro que era mais do que um bacharel.

Exato. Ele sempre dizia uma frase interessante, um trocadilho: quem só sabe Direito, não sabe direito. Os grandes advogados sempre foram de uma cultura humanística maior do que apenas o Direito.

Há uma boa confluência da Literatura e do Direito porque tratam dos dramas humanos. Dramas, comédias da sociedade. As leis foram inventadas porque as pessoas nem sempre estão de acordo. Em suma, conflito, que também é a essência da literatura e do teatro, para ficar apenas nestes exemplos.

Sim, desde o nascimento à morte, e até depois, a sucessão. Tudo passa pelo Direito, sem dúvida nenhuma. Há um fato até interessante, que quem conta isso é José Otávio de Arruda Mello, o nosso decano da história da Paraíba. Ele fez um artigo sobre o meu avô, dizendo que meu avô morava numa cidade pequena chamada Serra Branca, no Cariri da Paraíba. Ele nasceu em Cabaceiras, e meu avô, em determinado momento, na ditadura do Estado Novo, teve a casa invadida, sob a alegação que tinha livros perigosos. O soldado, o delegado que invadiu, entrou na casa. Passou a olhar os livros dele. Viu nas estantes as vidas de São Luís, de Santa Tereza e de São Paulo. Mas, na verdade, meu avô camuflava as capas do livro. Explico: ele pegava o livro, a história de Luiz Carlos Prestes, e cobria com a capa da vida de São Luís. Como o pessoal só lia a capa, via tudo santo. O apelido dele era Senhor Nezinho. O pessoal costumava dizer: o Senhor Nezinho só tem livros de santos. O José Otávio falou: “é o homem que camuflava os livros”.

Tua formação familiar, num ambiente favorável à leitura e gosto pela cultura, no sentido amplo, começou a te provocar inquietação e interesse pela literatura em que momento?

Eu sempre fui um grande leitor. Eu digo que a escrita é filha da leitura. Na infância li muito Ziraldo, O menino maluquinho foi meu companheiro de infância. Também lia Ruth Rocha, Pedro Bandeira, e outros para crianças. Isso me abriu a mente para ler Machado de Assis, José de Alencar, José Lins do Rego. Este último é um personagem muito admirado por meu pai, até por essa exaltação da paraibanidade. Meu pai recitava Augusto dos Anjos. Nós, então, morávamos nesta casa, que hoje é o meu escritório de advocacia. Havia uma grande frequência de intelectuais em nossa casa. Por exemplo, Edson Nery da Fonseca, Betinha (Elizabeth Marinheiro) – que tem 89 anos e é, portanto, da mesma geração do meu pai, que tem 90 – uma vez ela pediu a ele para hospedar Edson Nery, porque, na época, havia poucos hotéis em Campina Grande, e as vagas se esgotavam logo. Da minha infância, eu me lembro de Edson Nery hospedado aqui. Estive com o Jorge Amado, quando ele veio lançar um livro em 1982, ou 1983. Eu, na época, com oito ou nove anos, tenho uma foto com ele. Conheci João Cabral, assim, menino, mas ficava até com a timidez de criança, porque não tinha noção de quem ele era. O próprio Ariano Suassuna também esteve na minha casa várias vezes, com Dona Zélia. Então, esse ambiente me levou sem nenhuma pressão, com naturalidade para o amor pelos livros.

Em que momento o leitor começou a se transformar em autor?

Eu comecei com um pequeno livro de Direito, que eu publiquei ainda na faculdade. Comentários à legislação do mandado de segurança. Esse livro me trouxe grande prestígio, não pelo livro em si, mas o prefácio do grande jurista pernambucano Pinto Ferreira, outro grande intelectual que frequentava muito a nossa casa, inclusive como hóspede. Perfeito. Com excesso de gentileza, talvez pela amizade com meu pai, ele prefaciou. Para mim, foi como uma grande premiação literária. Eu não esperava o prefácio. Tinha mandado o livro para ele, e esperava que fizesse uma observação ou uma espécie de crítica. Esse livro me abriu portas na área jurídica.

Depois desse, veio um livro de literatura?

Lancei outro de Direito. Um comentário sobre o Código de Processo Civil com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça da Paraíba. Em 1995 ou 1996. Foi também muito bem aceito.

Em que momento tu sentiste a necessidade de escrever coisas fora do teu circuito de ação imediata?

Antes mesmo de me formar em Direito, eu já escrevia alguns artigos, crônicas, nos jornais locais de Campina Grande. Inclusive, eu me lembro de que, em 1993, publiquei um artigo sobre Pedro Américo no Diário da Borborema. Eu tinha ido a Florença, no começo de 1993. Lá, visitei a Via Maggio, número 11, o Palácio Michelozzi, onde o Pedro Américo residiu. Há um busto com uma grande homenagem, em italiano. Fiz um artigo mostrando que, na época, eram os 150 anos de nascimento do pintor, e eu dizia que na Itália ele era homenageado, mas no Brasil...

Encontraste Pedro Américo em Florença. Mas, entre descobri-lo e escrever a biografia dele, como foi o processo? Foi para celebrar o bicentenário da Independência ou era um projeto mais antigo?

Era um projeto mais antigo, que, à época, coincidiu com o bicentenário. Acho que esse projeto vem mesmo desse primeiro texto, de 1993 e, depois, por volta de 2017, eu quis me aprofundar mais na história de Pedro Américo e fiz outra viagem a Florença, para localizar dois bisnetos de Pedro Américo residentes lá. Um deles me deu acesso a mais de 2 mil documentos sobre Pedro Américo, incluindo muitas cartas. Com essas cartas eu comecei a montar um quebra-cabeça, cotejando dados com o que já havia sido escrito sobre Pedro Américo, inclusive as biografias.

O que é que tu consideras que há de singular, de diferente, de especial na tua biografia, em comparação com essas outras que consultaste?

Eu consegui trazer novidades. Por exemplo: um fato que não é referido: Pedro Américo naufraga no Mar do Norte. Ele pega um navio no norte da França para ir para Edimburgo, na Escócia. Esse navio naufraga no verão. Dos 160 passageiros, morrem 120. Ele é um sobrevivente. Onde é que eu localizei isso? Nas cartas. Diz algo assim: “Tive que nadar, passei a noite nadando. Só me salvei porque era verão, porque a água não é tão fria”. Outra coisa interessante é que ele foi o primeiro dono de galeria de arte no Brasil. Abriu uma galeria de arte no Rio de Janeiro. Ele trouxe esse costume, porque ele morou muito tempo na França, na Bélgica e Itália. Muitas informações interessantes, como, por exemplo, a questão dos romances. Tem um elogio de Joaquim Nabuco a um romance, que é o Holocausto, o primeiro romance que tem a Paraíba como palco. Interessantíssimo. Tem um cunho meio autobiográfico, porque ele fala de um artista que sai de Areia, anda a Paraíba e, depois, vai tentar a sorte no Velho Mundo. Ele, de certo modo, é um dos precursores da chamada autoficção de hoje em dia. Há o personagem Agavino. Que tem relação com agave. A Paraíba era o grande produtor de agave, e aquela região de Areia, também. Há outras facetas, além do escritor, como a do arquiteto. Ele fez muitos projetos de arquitetura. Tanto de prédios comerciais, como também de residências no Rio, em Santa Teresa, na Lapa. Fez o Cenotáfio da Segunda Guerra Mundial, que foi um concurso importante. O Cenotáfio foi destruído naquela reforma de Pereira Passos, já no século XX. No lançamento do livro, eu fiz um discurso aos pernambucanos dizendo que Pernambuco cultiva grandes paraibanos, como João Câmara, Ariano Suassuna, Vidal de Negreiros. Mas falta cultuar Pedro Américo, que é filho e neto de pernambucanos.

Além do teu trabalho como biógrafo, há outros livros teus, como os relatos de viagem...

Como eu falei no começo desta nossa conversa, eu nasci em uma casa de livros e cartões-postais. Esses cartões-postais me deram aquela ânsia de viajar pelo mundo. Eu já conheço 95 países. No Carnaval de 2025, eu estive em um país quase desconhecido, que é a Ilha de Santa Lúcia. A terra de Derek Walcott, autor de Omeros, um dos poucos livros dele publicados aqui no Brasil. Embora tenha obra grande até em teatro. Pouco se consegue achar dele como autor de teatro. Nem mesmo em inglês.

Suas viagens são, assim, metódicas e literárias?

Sim, antes de viajar, eu leio tudo o que posso a respeito do lugar. Eu fiz um livro sobre a Índia e o Nepal. Uma viagem de 52 dias pela Índia e pelo Nepal. Não pretendia fazer o livro. E comecei a ler e anotar naquela cadernetinha, uma espécie de moleskine. Antes da viagem, eu li 60 livros sobre a Índia. Levei outros livros para ler no avião. Como eu sou muito alto, o espaço apertado me impede de pensar sequer em dormir, e, na viagem, eu leio. Já teve voo de eu ler dois livros. Tem um espanhol, Javier Moro, que escreveu Paixão Índia, que é fabuloso. Li principalmente livros que me deram um certo panorama, e que tivessem uma visão brasileira. Também falassem um pouco sobre as religiões, eu acho que, para entender a Índia, você tem que entender a religião. Falassem um pouco sobre política, sobre geografia. E esse livro eu não achei. Fiz minhas anotações, viajei. Voltei. Depois de ler tanto sobre a Índia, eu quase não aguentava mais o assunto. Decidi ler um romance da norte-americana Toni Morrison. Quando eu estava lendo o romance, no meio tem uma frase de um personagem que diz: “Se você procura um livro para ler, e não acha, escreva você mesmo”. Motivado por isso, escrevi o livro sobre a Índia.

Qual o livro de viagem que mais te deu trabalho e o que mais te agradou?

Na verdade, todos esses livros de viagens me dão um prazer enorme. Porque é outra viagem que eu faço. São várias viagens. A viagem em si, a recordação da viagem, e o livro sobre a viagem.

Distingues como prazeres únicos o de ler e o de escrever? São complementares? Há um maior do que o outro? No que consistem esses prazeres?

Eu acho que o prazer de escrever é um prazer complementar. O de ler é uma espécie de amor de esposa e amor de filho. Vamos dizer assim, o prazer de ler é tipo o amor da esposa, o amor feminino, e o prazer de escrever é o amor de filho. É uma coisa que você faz com mais reflexão e decorrente já do primeiro amor. É um desdobramento.

O teu primeiro amor é a leitura. O escritor nasce do leitor. Neste último caso, temos uma dupla leitura: a leitura dos livros e a leitura do mundo?

Sim, a leitura da realidade, Eu mudei muito minha cabeça, porque eu comecei a viajar e a me despir dos preconceitos. Como das questões religiosas. É preciso respeitar a religião do outro. Posso até não concordar, mas tenho de respeitar e valorizar. Eu fui a locais que, normalmente, o turista brasileiro gosta, como os Estados Unidos e a Argentina. Mas também fui a Botsuana, Zâmbia e Zimbábue.

Há diferenças entre o turista e o viajante?

A viagem de turismo é segura, controlada. A do viajante pode incluir destinos muito exóticos. Assim, nem sempre você tem certas seguranças que o turismo lhe dá. Porque há os riscos também, e o que a juventude chama de perrengue.

O teu perfil é duplo: de viajante e turista, ao mesmo tempo?

Sim, sou esse viajante duplo. Por exemplo, fui a Lanzarote, para, deliberadamente, conhecer a casa de José Saramago. Eu faço essas viagens específicas. Fui a Cuba para conhecer a Finca Vigía.

Uma conversa sobre viagens costuma ser também uma espécie de viagem, e poderia durar um dia inteiro. Igualmente, poderíamos levar horas definindo viagens. Há uma interessante, de Baudelaire, que é a de partir por partir, ou seja, sem saber para onde vamos exatamente, e a de Bradbury, de viajar para se perder, que poderíamos traduzir meio como que andar ao léu...

Eu já fiz ambas. Inclusive, obviamente, eu já fiz uma viagem que eu só sabia que ia chegar ao aeroporto tal, e sair no aeroporto tal. E que a gente, eu e minha esposa, a gente decidia até a próxima cidade e o hotel no dia. Mas tudo era descoberta. Amanhã vamos para onde? Estamos aqui perto da Polônia. A gente está de carro. Dá para ir aqui a Gdansk, na Polônia. Estamos a 300 quilômetros. A gente chega lá, passa dois dias. Daqui vamos para onde? Vamos para a Lituânia, para a Estônia. Desce aqui para Krakow, para Varsóvia. Assim conversávamos, combinávamos os destinos.

Dá para fazer um breve ranking das coisas que mais te surpreenderam em viagens dessas quase cem que fizeste? Coisas que não estavam no teu script.

Muitas coisas, muitas coisas. Por exemplo, a Ásia me encanta pela cultura, pelo choque também cultural. E a África. Nós somos educados a não pensar o mundo globalmente. A gente pensa o mundo conforme o Ocidente, conforme a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Até digo, por exemplo, uma morte em Nova York tem mais valor do que cem mortes na África. Às vezes há um atentado em Nova York, morrem quatro, cinco pessoas, e é notícia em 30 dias. Sim. E outras vezes morrem 200 pessoas na África e dá só uma notícia. Sim. Mas eu digo, nessa questão da viagem, tem uma frase, um poema de Quintana, que diz que o principal objetivo da viagem é você se conhecer.

É de autoconhecimento, sim. Você volta se conhecendo e valorizando suas coisas, sua casa.

É curioso, porque isso, de certa maneira, termina por encontrar um verso de Fernando Pessoa: “Viajar. Perder países. Ser outro constantemente”. Você ser outro constantemente e, na volta, para você se conhecer. Então é um processo de aprendizado?

Exato. Provavelmente de mergulho, de garimpagem, de histórias. Até interessante, por exemplo, uma vez eu estava no Cairo e desci à recepção do hotel e pedi o endereço do bazar, que é o maior bazar da África, e o cara do hotel botou lá em árabe. E eu saio do hotel, o hotel ficava no Nilo, fim de tarde, eu fui caminhar no calçadão ali do Nilo e tomo um sorvete; depois do sorvete, eu estendo o braço e paro um táxi. E o senhor, o motorista, parou o táxi, o papel escrito na língua dele em árabe, eu dei o papel a ele e ele continuou. Depois que ele passou uns quatro quarteirões, eu comecei a ficar desconfiado. Eu sei que, depois de um tempo, ele vê um cara de blazer na calçada, encosta o carro e, mostra o papel. O resto é suposição minha. Eu acho que ele pede para ler ao cara, e, quando o cara lê o endereço, ele me devolve. Minha conclusão é que o taxista era analfabeto. Não sabia ler na língua dele. Mas também não perdeu a corrida. Continuou lucrando.

Além de livros bem-sucedidos de Direito, biografias, viagem... tens o gosto pela leitura, não só pela leitura em si, mas pelo livro como objeto, o livro bonito, raro, que é a sua vinculação a uma confraria de bibliófilos. Como é que nasce esse gosto pelo livro como objeto, como obra de arte, digamos assim, ou pelas raridades?

Esse amor do livro, que iniciou na infância, foi crescendo. Já nessa infância, com o Jorge Amado, que foi lançar um livro em Campina Grande, meu pai foi para o lançamento, peguei o livro autografado e meu pai disse: “não, esse livro é autografado, esse aqui não tem preço porque ele está autografado por Jorge Amado”. Isso aí foi me dando uma paixão sem freio, às vezes até meio que irresponsável, por adquirir livros raros, livros autografados. Principalmente, eu tenho livro autografado por José Lins do Rego, por José Américo de Almeida, por João Cabral de Melo Neto, por Cecília Meireles, por Lygia Fagundes Telles, e assim vai. Também sinto paixão pelos livros bonitos. Eu até, se existisse a reencarnação, na outra encarnação, eu acho que eu fui editor, porque gosto de livros bonitos, bem-feitos.

É um cultivo e um culto ao mesmo tempo. É algo que te acompanha como já parte de ti, como extensão de ti?

Sim. Há livros de que compro muitas edições, como Grande sertão: veredas, de que tenho umas 50 edições.

E a tua cervantina, ou seja, a tua coleção de obras raras e curiosas de Miguel de Cervantes?

Eu tenho quase 200 exemplares, em mais de 70 línguas. Persa, azerbaijano, vietnamita, italiandês, lausiano, armênio...

Sem falar que a Armênia tem uma particularidade, que é a beleza do alfabeto.

Sim, o tailandês também, o alfabeto tailandês.

O etíope também. Já estiveste na Etiópia?

Não, a Etiópia está na minha lista de países por conhecer.

Quais são os próximos destinos da tua lista?

Eu pretendo ir à Romênia e à Bulgária, que é uma falha que eu tenho no continente europeu. E quero também ir para o outro lado da África, que é Etiópia, Tanzânia, Moçambique, que eu não fui, Madagascar.

Passaste alguns perigos nessas viagens, por conta do gosto, por mergulhar no aspecto mais profundo do país?

Passei muitos receios. Atravessei a fronteira da Zâmbia e Zimbábue, você pegava um táxi até a fronteira e eles não tinham relação. Você tinha que atravessar a fronteira e fui fazer um safári no Zimbábue e andei na volta, a mesma coisa, mas, na volta, estava às 10 da noite. E a gente só via gente com arma, né? Sim. De um lado e do outro, porque era uma ponte grande, como aquela Ponte da Amizade de Foz do Iguaçu. Metade da ponte era Zâmbia e metade era Zimbábue.

Falando em armas... e Israel?

Estive em Israel. Foi a imigração mais chata que eu já peguei. Porque quando eu fui só com a minha mulher, o cara da imigração me botou numa sala e perguntou: “Por que vocês estão sós?” Qual a razão da pergunta dele? O comum em Israel é a pessoa ir em grupo, com o padre, com o pastor, com o líder religioso. O turismo normal deles é esse. Igrejas, Eu respondi: “porque eu quero ver todas as versões da cultura, das igrejas, inclusive, não a de um grupo específico”. Fizeram mil perguntas. Também por que eu havia ido antes a Dubai? Curioso. Por que ir tanto a Dubai? Porque eu uso muito esse voo da Emirates, que é São Paulo-Dubai, Dubai-Tóquio. Muito confortável. Um avião gigante, serviço de bordo no nível melhor. O avião deles é perfeito para alguém alto como eu. Expliquei a eles que existe um voo diário, São Paulo-Dubai, e de Dubai eu vou para qualquer lugar na área. E eu usei muito esse voo exatamente pela praticidade. E como é um voo longo, porque São Paulo-Dubai são 15 horas, muitas vezes eu paro um dia, dois, em Dubai para quebrar o cansaço da viagem. Fui assim à China, ao Vietnam. Por fim, me autorizaram.

Nesse conjunto de livros que tu publicaste, qual é aquele que tu gostas mais?

O favorito é um pequeno livro infantil, que eu fiz com o meu filho. Uma parceria. O menino de pijama. Eu tenho um apartamento ali em Cabedelo e há um feriado muito grande aqui em Campina Grande: o 12 de outubro é o feriado nacional, mas, o dia anterior é feriado em Campina Grande. Houve um feriado que era quinta, sexta, sábado, domingo. Eu fui para esse apartamento. Meu menino tinha então 9 ou 10 anos. O quarto dele é vizinho ao meu. Eu tinha saído com a minha esposa, a gente foi para um jantar, e chegamos até um pouco mais tarde. E quando foi lá para umas 5 da manhã, meu menino me chama: “Pai, pai, pai!” Acordei meio assustado. Pensei que tivesse havido algum problema. Ele estava sentado na cama, olhando a janela. Sim. E a cama era ao lado da janela. Quando eu cheguei no quarto, ele simplesmente me disse: “pai, olha como o céu está lindo!” Ele me acordou para falar da beleza do céu. Quando eu olhei para o céu, eu me desarmei. Sim. Que negócio bonito é esse? Simplesmente, chamou para mostrar a beleza do céu. Aí começou a história. Ficamos conversando e olhando o céu. E o céu é amarelo..., naquela inocência de criança. Nunca tinha visto um céu amarelo. Eu queria ir à praia. Mas ele não queria tirar o pijama. Fomos assim mesmo: de pijama. Do jeito que estávamos. Aí nasceu o livro. Sonho de menino é coisa que não tem preço.

Um impulso que não consigo controlar desde que me dei conta de ser gente. Na infância eu gostava de folhear livros com fotografia de pontos turísticos e monumentos históricos, e dizia a mim mesmo: “Um dia conhecerei”. Talvez Érico Veríssimo tivesse razão em acreditar que a gente viaja muitas vezes por culpa de uma gravura que viu na infância.

Há um ponto problemático nas viagens, principalmente a destinos cujas culturas são muito diferentes das ocidentais: a alimentação.

Eu comi escorpião e besouro. Só não consegui comer barata. Porque o asco não permitiu. Embora pudesse perguntar: existe bicho mais feio do que caranguejo? Às vezes chega alguém de outro país, chega aqui e vê um típico brasileiro comendo um caranguejo desses bem-peludos.

Onde te ofereceram a barata?

Na China, na Tailândia. Eles espetam e bolham no molho shoyu. Aquele molho shoyu quente. Na verdade, o escorpião só tem o gosto do molho shoyu.

E no México?

No México, a pimenta é muito forte. Mas tem um prato muito gostoso no México que é de formiga. Eu esqueci o nome do prato. Mas é com formiga. Uma delícia. Minha mulher comeu e gostou. Aí, depois, que soube que era formiga, e passou a não gostar.