A força da ancestralidade e da renovação, com a posse de Ana Maria Gonçalves na ABL

Autora de Um defeito de cor, que foi considerado o melhor livro brasileiro do Século XXI por um grupo de críticos, Ana Maria é a única negra eleita e a mais jovem integrante da Casa

Autora de Um defeito de Cor se inscreve na ABL como um símbolo de um Brasil que começa a se enxergar em todas as suas cores
Autora de Um defeito de Cor se inscreve na ABL como um símbolo de um Brasil que começa a se enxergar em todas as suas cores

Em uma noite histórica, a escritora mineira Ana Maria Gonçalves foi empossada, na sexta-feira (7), como nova imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ela passa a ocupar a cadeira nº 33, que pertenceu ao linguista Evanildo Bechara, tornando-se a primeira mulher negra a integrar a instituição fundada em 1897 — e apenas a 13ª mulher a vestir o fardão acadêmico.

A cerimônia foi marcada por emoção e simbolismo. Ao iniciar seu discurso, Ana Maria fez um gesto de reverência às origens: “Benção, mãe. Benção, pai.” A saudação à ancestralidade ecoou pelo salão, lembrando que a literatura, para além das letras, é também um espaço de memória e resistência. A escritora afirmou que sua entrada na ABL representa “não apenas uma conquista individual, mas o reconhecimento de histórias que por muito tempo foram silenciadas”.

Autora do premiado romance “Um defeito de cor”, lançado em 2006, Ana Maria Gonçalves construiu uma obra de grande fôlego narrativo e político. Seu livro, de quase mil páginas, conta a trajetória de Kehinde, uma mulher africana trazida como escravizada para o Brasil, e é hoje considerado um marco da literatura afro-brasileira contemporânea. A autora já afirmou em entrevistas que sua missão como escritora é “contar as histórias que o país tentou apagar”.

Durante a cerimônia, a nova acadêmica foi saudada pela antropóloga Lilia Schwarcz, que destacou o papel de Ana Maria na “reconfiguração do cânone literário brasileiro, abrindo espaço para vozes plurais”. O colar acadêmico foi entregue por Ana Maria Machado, e o diploma, por Gilberto Gil, ambos também membros da Academia.

Em seu discurso, Ana Maria defendeu uma literatura que dialogue com as múltiplas identidades do Brasil:“O que desejo é ampliar as vozes. Que a língua portuguesa, em sua beleza e complexidade, seja também abrigo para quem nunca foi convidado a falar.”

Após a posse, os convidados participaram de um jantar com cardápio afro-brasileiro, preparado especialmente para a ocasião. O evento foi encerrado com apresentações musicais e manifestações culturais que celebraram as raízes africanas da escritora.

A entrada de Ana Maria Gonçalves na ABL simboliza mais do que uma conquista individual. Representa o movimento de renovação da literatura brasileira, abrindo espaço para narrativas até então marginalizadas. Em um país de tantas vozes e contrastes, sua presença na Academia reafirma que a tradição literária nacional só se fortalece quando reconhece sua diversidade.

Com esse gesto, Ana Maria se inscreve na história — não apenas como “imortal”, mas como símbolo de um Brasil que começa a se enxergar em todas as suas cores, ritmos e memórias.

Assim, a posse de Ana Maria Gonçalves é mais do que uma cerimônia solene: é um gesto de continuidade e transformação, um capítulo vivo da literatura brasileira que se reescreve diante de nossos olhos — com coragem, beleza e ancestralidade.