Marcelino Freire lança Escalavra na Balada Literária no Sesc Santo Amaro

Lançamento começa às 20h desta sexta-feira, dia 29, dentro da programação da “Balada Literária”, que fará homenagem aos 80 anos de João Silvério Trevisan

Nesta sexta, 29 de novembro, a partir das 20h, o escritor Marcelino Freire estará no Recife para o lançamento e sessão de autógrafos de Escalavra, dentro da programação da Balada Literária, que acontece no Sesc Santo Amaro. O evento conta com a participação do grupo Muafro, terá oficina literária e fará homenagem aos 80 anos de João Silvério Trevisan, autor de livros como Devassos no Paraíso

Último trabalho do escritor, e seu segundo romance, Escalavra é um livro ousado, fruto de um paciente esmiuçar de palavras, ora em forma de prosa, ora poesia, usando como pano de fundo o clima árido e seco do Sertão. O livro mais cabralino já escrito pelo sertanejo Marcelino que, por sua vez, o define como um “rolamento, raspagens, movimentos de pedras e frases se escalavrando”.

A história é centrada na relação silenciosa entre um filho e seu pai, que se desenrola em subtextos e resvala, em parte, na história do próprio Marcelino com o pai.  Mas que também é trespassada por várias denúncias e subtemas: a necessidade da educação e o poder revolucionário dos livros; os resíduos pré-históricos encontrados na caatinga e nas suas serras e o desconforto com a montagem de parques eólicos, que em nome da sustentabilidade, deixaram muitos sertanejos sem terras.

“Faz tempo que eu estou indignado com essas torres. Não há mais montanhas na paisagem, há torres eólicas nos ombros das montanhas.”

Na entrevista exclusiva para a revista Pernambuco, Marcelino Freire explica aspectos da sua nova criação, fala do mercado literário brasileiro e do entusiasmo com que vem trabalhando na “Balada Literária”, um projeto em parceria com o Sesc que vem divulgando e promovendo a literatura em vários recantos do País. Confira abaixo.

Como foi o trabalho da linguagem para colocar, em um tema tão árido, eu diria cabralino, palavras e ideias a fim de construir uma história com dicção própria, um misto de romance e poesia, de memória e prosa?
Eu estou sempre em busca de uma cantoria. Meus contos ora eu chamo de "cantos", ora de "improvisos", até já os chamei de "cirandinhas". No "Escalavra" é tudo rolamento, raspagens, movimentos de pedras e frases se escalavrando. Quem me deu esses ciscos foram os monumentos megalíticos. Eu busquei uma linguagem milenar ali. Uma palavra precária na sua construção, mas engenhosa na sua dicção. Em vez de frases, eu busco escrever orações.

Seu livro aborda um relacionamento silencioso entre pai e filho, marcado por rudeza, dor e culpa pela morte acidental da mãe/esposa. Mas em alguns momentos também estão alí, você e seu pai. Aquele silêncio no momento da sua partida para São Paulo é real? Foi ele o ponto de partida para essa obra?
Meu pai foi o ponto de chegada. Quando eu estava escrevendo o livro (tento escrevê-lo desde 2015), me perguntava o que havia de mim naquela ladainha. Eu precisaria estar comprometido de alguma forma, posto à prova. Daí vi mais adiante que o pai do "romance" era o meu pai, o silêncio sertanejo era o mesmo dele. Aí fui fazendo tudo para reencontrar o meu pai (falecido em 1999) naquela história.

Dagoberto (o personagem principal) tenta renascer através dos livros e das palavras que ele só entrevia, que adivinhava. Com você foi assim? Desde criança você sonhava em deixar o Sertão para libertar suas palavras?
Nunca achei que deixaria o Sertão. Jurava que eu ficaria a vida inteira em Pernambuco. A vida foi me chamando, o coração foi me bombeando para outro lugar. Vivo em São Paulo desde 1991, mas trouxe minhas palavras comigo. Eu digo no livro que eu só escrevo com três palavras e suas ramificações: minha mãe, meu pai e Sertânia. Essas palavras foram (e são) a garantia de minha sobrevivência.   

O livro é também uma denúncia contra as perdas de terras dos sertanejos, compradas a preços ínfimos pelos construtores dos parques eólicos. Você chegou a presenciar algum episódio? Fale do impacto que esses parques causaram na região.

Faz tempo que eu estou indignado com essas torres. Não há mais montanhas na paisagem, há torres eólicas nos ombros das montanhas. Passei pelo Rio Grande Norte, pelo Ceará. É muito vento sendo roubado. Há uma legislação muito frouxa quanto a isso. As torres são construídas dentro do terreiro do sertanejo, enchendo ele de mais poeira, matando os passarinhos, os morcegos e as abelhas. Sem contar o barulho infernal das hélices que está matando a música do lugar. Uma tragédia. Energia limpa para quem? Só se for para limpar da área, expulsar para longe...

Quando você deixou Sertânia, que pedras você teve que carregar nas costas? Deixou muitas pelas estradas?
Eu trouxe a pedra da precariedade. Uma família grande onde tudo era subtraído (não dividido). Trouxe a impossibilidade, a falência. Cito algumas passagens disso no livro. Do dia, por exemplo, em que minha mãe matou uma pomba para a gente comer. Lembrei desse episódio quando escrevia. Foram colando em mim algumas imagens antigas. Deixei os cascalhos da memória virem chegando.... A pedra que deixo hoje é a Pedra da Teimosia. Alias, eu falo alguma coisa no livro sobre "o alinhamento dos rastros". Eu sigo o "alinhamento dos rastros".

A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra que, mesmo com a explosão de internautas que escrevem nas redes, blogs e sites e que depois migram para o livro analógico, de papel, o brasileiro está lendo menos. Como você analisa este momento da leitura no Brasil?
Prefiro ver a cena dos slams, dos saraus. Vejo muita gente lendo. Escrevendo. Vi uma multidão na fila de autógrafos de Jeferson Tenório, de José Falero. Sempre uma multidão ao redor de Conceição Evaristo, do Itamar... Eu me nutro dessa possibilidade. Essas análises numéricas me dão preguiça. Eu vivo numa bolha da esperança.

Como fazer para transformar o Brasil num país de leitor nas próximas décadas?
Em uma passagem do "Escalavra" a personagem Ritinha diz que a avó dela a ensinou a saber. E que o professor (personagem do livro) a ensinou a ler. Nós já somos, disparado, o país do saber. O povo sabe muita coisa. Já dizia Paulo Freire...

Você acha que o brasileiro que gosta de livro hoje está mais interessado em escrever, e em alguns casos, se exibir ou buscar um diálogo com um indefinido leitor do que mesmo em se tornar um leitor de literatura?
Aliás, eu acho que mais do que incentivar as pessoas a lerem seria melhor incentivar as pessoas a escreverem. Se elas começam a escrever, elas começam a ler. Vão aprendendo assim, a partir de suas próprias palavras postas no papel.

Onde o Brasil errou?
O Brasil não erra, o Brasil sempre acerta na mosca. É muita gente que morre, é muita gente morrendo...

Como você vê a roda do círculo da literatura hoje em dia no Brasil, onde uma abordagem  universal cada vez mais perde espaço para o discurso identitário, particular e, muitas vezes, autocentrado?
Eu acho que estamos em um excelente momento da literatura contemporânea. As autorias negras, LGBTQIAPN+ tomando conta das estantes. É revolucionário. Houve durante muito tempo uma literatura auto centrada na heterossexualidade, identitária em Ipanema, panfletária da solidão do macho que sofria por amor. Prefiro muito mais como está. Só vai melhorar... 

Você está na estrada com a Balada Literária em uma nova edição. Como está sendo a experiência este ano? Você tem conseguido mobilizar as massas? Qual a expectativa no Recife?
Respondo a essa sua pergunta no momento em que acabei de voltar de Teresina, onde a Balada Literária acontece desde 2017. Este ano homenageamos o "brega" como gênero musical, literário. Conhece Nayra Lima? É a Rainha do Brega do Piauí. Uma grande cantora. A gente vai lá e recebe o abraço de Nayra. 

Acabei de desembocar no Recife. Vai ter muita coisa bonita no Muafro, no Sesc Santo Amaro. Vamos celebrar os 80 anos de João Silvério Trevisan, vai ter oficina de criação literária com Aline Bei  e homenagem a Inaldete Pinheiro. Este ano também vamos começar a fazer um braço da Balada Literária em Garanhuns, para onde viajo nesta quinta (dia 28 de novembro). Ufa! Esse movimento me empolga. Não temos grandes plateias, nós temos pequenos abalos sísmicos. Uma hora a placa tectônica se descola e forma uma nova terra, um novo país possível. Estou há quase 20 anos de Balada Literária acreditando nisso.   

Serviço

Lançamento do livro Escalavra, de Marcelino Freire e realização da Balada Literária no Recife.
A partir das 20 horas no Sesc Santo Amaro - Rua do Campo Santo, s/n - Santo Amaro