As façanhas de Maximiano Campos

Encontro celebra os 50 anos de lançamento da novela "O Major Façanha" e busca apresentar um dos principais autores da Geração 65 aos novos leitores

O recifense Maximiano Campos foi um escritor de muitas faces. Para alguns críticos, como Gilberto Freyre, era um dos grandes contistas brasileiros; para outros, um artista múltiplo, que se destacou logo no início da carreira, ao publicar, em 1968, o romance Sem lei nem rei. Neste mês, a novela O Major Façanha, escrita em 1975, completa meio século de publicação, e será alvo de uma série de eventos que vão destacar sua obra e a sua figura. Entre outras homenagens, ela será republicada, para que as novas gerações tenham acesso ao livro.

As comemorações do projeto “Encontro com Maximiano Campos” não param por aí. Está previsto o lançamento de uma plataforma digital em homenagem ao escritor, com e-books, documentários, fotos, minibiografia, espaços que levam o seu nome, músicas de sua autoria e as poesias. É um resgate não só de O Major Façanha, mas da obra e memória de Maximiano, um integrante da Geração 65, que apesar de ter uma vida breve — faleceu aos 57 anos, em agosto de 1998 —, deixou marcas profundas na produção cultural pernambucana.

Uma de suas marcas é exatamente essa novela pitoresca, bem-humorada, insólita. O Major Façanha é uma história divertida que retrata um velho senhor de engenho vivendo no bairro de Candeias, que até os anos 1970 ainda era um arrabalde de veraneio e descanso das famílias à beira-mar. Ele o escolheu para sua aposentadoria.

Na saga, pode-se conferir a perplexidade de um homem dividido entre dois mundos: o urbano, que se impunha caótico, ousado — com jovens irreverentes e mulheres expondo o corpo nas areias da praia em frente à sua varanda;  e, o rural, onde Valentim Cavalcanti de Albuquerque Wanderley, o Major Façanha, relembra o poder e a opulência dos anos em que foi senhor de engenho, dono de terras e de tudo que estava em sua volta. Ainda época em que os engenhos não haviam sido engolidos pelas usinas que se tornaram donas absolutas da Zona da Mata.

Na ocasião do lançamento do livro, o escritor Ariano Suassuna, amigo íntimo de Maximiano, afirmou: “O tipo que é o Major Façanha veio para ficar na literatura brasileira. Cômico e poético, grotesco e épico ao mesmo tempo, por ele sentimos admiração e compaixão e ele parece corresponder a um impulso subterrâneo, sepultado nas camadas mais profundas do sangue coletivo brasileiro” — escreveu o autor de O Romance da Pedra do Reino, cujo posfácio foi assinado por Maximiano.

Décadas depois do lançamento, em um mundo no qual as ideias e o cotidiano do Major Façanha parecem a de um universo paralelo, fica, entretanto, perceptível a atualidade do personagem. Ele é o  retrato da ruptura de um período histórico, de uma forma de viver que se esvaiu, de repente, nos anos 1960. Valentim, ou Major Façanha, vive remoendo-se entre os resquícios do tempo que se foi, a dificuldade de se habituar à realidade na qual o poder lhe escapou das mãos e a autoridade política dos velhos donos de engenho reduziu-se a quase nada.

Vemos um sobrevivente de uma época se debatendo entre o presente e os sonhos que ele traz do passado. E, contando, ainda, façanhas inacreditáveis, por isso, o apelido que aos poucos se alastra pelas ruas de Candeias, deixa Valentim indignado.

Um legado 

Um dos principais defensores do seu legado e organizador do encontro, o advogado e escritor Antônio Campos, se empenha em divulgar a obra e preservar a memória do pai. “Maximiano escolheu a palavra. Contou a dor do engenho de fogo morto, o retrato do seu avô na sala abandonada, o rio, a solidão. Contou o azul, o amarelo, o verde da cana. Contou as histórias sem fim da mata de Pernambuco, berço de vidas, experiências e sonhos particulares. Seu lugar de façanhas. Contar é façanha de guerreiro, de artista apaixonado. Sua obra conta o que sonhou e viveu. Foi um domador de sonhos.”

De fato, a  exposição de 80 anos de seu nascimento, em 2021, realizada pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) foi intitulada Maximiano Campos, domador de sonhos. “O sonho é uma presença constante na obra de Maximiano, que, entre a dimensão concreta e a onírica, buscou o sentido da vida, a sua verdade. Dava vida aos sonhos. Havia nele um estado fronteiriço entre a crueza da injustiça social e os seus sonhos quixotescos de domador/ libertador que o levaram a produzir a riqueza literária que nos deixou como herança”, diz Antônio.

Maximiano teve uma produção intensa. No final da década de 1960 publicou o seu primeiro romance - Sem lei nem rei. Na década de 1970, o livro As emboscadas da sorte, juntamente com a novela O Major Façanha. Pela editora Pirata publicou  outra novela, A memória revoltada, em coedição com a Civilização Brasileira. Ao todo são mais de 17 os títulos, tendo escrito ainda: As feras mortas (contos), A loucura imaginosa (novela), O lavrador do tempo (poesia), Carta aos amigos (epistolografia), Do amor e outras loucuras (poesia), Os cassacos (novela), A multidão solitária (novela).

Saudado em 1977 por Gilberto Freyre como mestre do conto, Maximiano começou a escrever cedo, nos tempos do Colégio São João. Foi, também, ensaísta. Fez o primeiro ensaio crítico, no Brasil, sobre o grego Nikos Kazantzakis, autor de o Zorba, o Grego e o Cristo Recrucificado.No livro, Memórias com Maximiano Campos, que reúne alguns poemas, contos e a opinião de amigos após sua morte, encontramos um artigo assinado pelo autor, explicando a importância da obra de Kazantzakis.

Liberdade ou morte, o romance épico de Kazantzakis, tem uma estranha força. Certa vez, falando dos romances de (William) Faulkner, (Jean-Paul) Sartre disse que, 'com o tempo, os bons romances chegam a ficar parecidos com os fenômenos naturais; esquece-se que eles têm um autor, sendo aceitos como se fossem pedras ou árvores, apenas porque existem…Com aquele romance de Kazantzakis, ocorre um fenômeno parecido. É como se estivéssemos diante de um grande animal vivo, um estranho ser que saísse do meio das pedras e ruínas de Creta'”, escreveu Maximiano. Ele também era um dos maiores expertises da obra e da vida de Ernest Hemingway. Conhecia a literatura russa do século XIX quase de cor. Foi um dos expoentes da Geração 65 que mais dialogou com Ariano, além de ter convivência intensa intelectual com Gilberto. Sua correspondência vai de Drummond a Pedro Nava.

O filho Antônio Campos esteve atento às ideias e à forma de produzir a rotina de trabalho do pai. “Maximiano quando começava uma obra era compulsivo. Em 15 dias finalizava um romance ou novela e depois começava a rever o texto. Era um escritor visceral, que não fazia concessões com a literatura, que achava algo sagrado.”

A literatura e a escrita ocupavam todos os espaços da casa onde moravam, em Casa Forte. “Nascemos (ele e o irmão, o ex-governador Eduardo Campos) entre livros e sempre ouvimos conversas sobre livros e escritores. Hemingway e os escritores russos Dostoiévski e Tolstói também eram muito lidos.Mas, para iniciar os filhos no universo literário, optou pelos autores regionais. “Iniciamos a nossa leitura com autores regionais e nacionais, especialmente José Lins do Rego e Ariano Suassuna.”, conta o filho Antônio.

A morte precoce, aos 57 anos, causou comoção principalmente entre os participantes da Geração 65. Maximiano, pelos relatos, não somente era um escritor respeitado, mas um amigo queridíssimo.

“Escrever é fácil: basta abrir uma veia. Maximiano Campos escrevia assim mesmo - não com uma única veia aberta, mas com todas as veias, o sangue gotejando sobre a trágica e divina comédia da vida.”, desabafou à época o escritor Raimundo Carrero. “Não era homem de pequenas bondades e, menos ainda, de pequenas maldades. Mas inteiriço - e vertical - Maximiano Campos se destacava entre seus companheiros de geração, pela generosidade imparcial com que acolhia, não só intelectualmente, as mais diversas tendências estéticas ou filiações literárias.”, declarou o poeta Ângelo Monteiro.

“Dividia com os amigos as suas descobertas na área de literatura e as suas admirações. Não é de se estranhar, portanto, que a sua obra lenta e pacientemente conduzida, tenha merecido, desde o início, a atenção e o reconhecimento não só dos seus companheiros de geração como das gerações mais antigas.”, disse na ocasião o ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Fernando de Mello Freyre.

Maximiano Campos era bacharel em Direito pela Unicap; foi oficial de Gabinete do então governador Miguel Arraes, de março a agosto de 1963; e, durante anos, atuou em diversos cargos no então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

Para marcar os 50 anos de O Major Façanha, o responsável pelo legado de Maximiano também doará um quadro a óleo com sua imagem ao Museu de Arte Sacra Sesc Goiana - Escritor Maximiano Campos e, vai propor  ao Parque Apipucos Maximiano Campos a criação de uma biblioteca.  “Estamos também dialogando com a UBE/PE sobre uma parceria inspirada em seu legado, ele que era filiado da UBE e amigo da casa”, explica Antônio Campos, curador da sua obra.