O nascimento de uma mãezinha é veloz. Em um momento, se é mulher, senhora ou senhorita e em outro, já se é mãezinha. É o tempo que leva para um recém nascido escapulir para fora de um útero, seja do jeito que a natureza ordena, seja através de uma cesariana marcada ou de emergência.
Se antes era forte ou fraca, bonita ou feia, rica ou pobre, ao nascer de um filho, todos os adjetivos são movidos pela frase a fim de dar lugar ao substantivo que quase se torna nome próprio. Mãe. E dentro do hospital, principalmente quando o nascer vem acompanhado de algum tipo de complicação médica, a palavra vem sempre no diminutivo. Mãezinha.
É diante desse cenário que Izabella Cristo escreve Mãezinha, obra vencedora da primeira edição do prêmio Caminhos de Literatura. Médica e escritora, ela vivenciou de perto o drama das mulheres com filhos na UTI Neonatal quando seu filho nasceu prematuro e a partir do momento que se distanciou dessa experiência, resolveu escrever sobre ela. Apesar de incluir similaridades com a vida real da autora, Mãezinha é um romance ficcional.
No livro, a protagonista é Isadora, uma médica cirurgiã grávida de oito meses que passa por uma cesárea de emergência. Seu esperado neném nasceu com 33 semanas de gestação e vai precisar seguir internado e Isadora, sempre no modo profissional dentro de um hospital, agora é paciente. Sofre, chora e como qualquer outra, é chamada de “mãezinha”.
“Eu queria contar essas histórias que permeiam o hospital e mostrar que o maternar, ao mesmo tempo que é o único, é uma coisa comum. O sentimento que você sente é de impotência. Eu estava tendo acesso a uma das melhores maternidades do país pro meu filho nascer, acesso médico. Também tinha conhecimento técnico e mesmo assim com todos os meus privilégios, eu sentia dificuldade, impotência”, explica a escritora à Pernambuco. Foi a partir desse sentimento que Izabella sentiu a necessidade de escrever sobre o assunto.
Na obra, os tradicionais capítulos são rompantes de consciência que passam pela cabeça perturbada da médica, com a urgência da personagem se fazendo presente em cada parágrafo. O leitor, independente de possuir conhecimento médico, sente a dicotomia entre a razão e o sentimento. A cada passar de página, mais Isadora enxerga a realidade das mães de bebês prematuros e/ou com problemas de saúde sem a lente de doutora.
É através da delicadeza dos encontros que Izabella Cristo cativa. Em Mãezinha, a alegria do nascimento de um filho está intrinsecamente ligado ao medo latente e desesperador de perdê-lo e mesmo para uma protagonista forte e confiante de si, é necessário olhar para o lado a fim de ganhar força.
“A partir do momento que eu escolhi o narrador, foi como se a história tivesse engatado. Então eu consegui relatar com uma certa verossimilhança que chama atenção. É um conjunto de trabalho criativo com realidade”, contou a autora.
As mulheres que são personagens do livro de Izabella existem de verdade, ainda que suas personalidades tenham sido fabricadas. Uma youtuber conhecida que deu à luz a gêmeos, uma mulher com cirurgia no tórax e outra com bota cirúrgica. Todas elas foram vistas por Cristo quando ela passou pela experiência na UTI neonatal com seu filho. Mesmo que de maneira irregular, todas essas mulheres compartilharam uma situação essencialmente feminina e formavam uma cadeia de ajuda.
Nem toda experiência é igual, é claro, mas como Izabella defende, o maternar também possui similaridades nas experiências, medos e anseios. E até mesmo quem não tem filhos, provavelmente entende um pouquinho sobre a angústia da incerteza que é não saber se um ente querido vai sobreviver. Por isso, Mãezinha é uma obra que permite ao leitor se colocar totalmente no lugar de protagonista.