Publicado em 1935, há 90 anos, Jubiabá é um dos romances de Jorge Amado inseridos no contexto do regionalismo e da literatura social. É um dos pioneiros na apresentação de um “herói negro”, e considerado o primeiro livro de peso do jovem autor, que, à época, tinha apenas 23 anos.
Editado originalmente pela José Olympio, Jubiabá foi avaliado como a primeira produção madura de Jorge, ou “um passo à frente” dos seus outros romances, como reconheciam o próprio escritor e a crítica. Um terço maior que os livros anteriores, apresentava uma estrutura mais complexa.
O protagonista Antônio Balduíno, o Baldo, personifica a luta do indivíduo contra as forças opressoras da sociedade. Ele transita entre diferentes espaços sociais, trabalhando como lavrador, boxeador e operário, mas também experimenta o racismo e a exclusão.
A história de Baldo é quase épica: órfão, criado por uma tia no Morro do Capa Negro, apesar da miséria que o circunda, especialmente após a morte da única parente, é ousado, imponente, e tem convicção de um futuro heroico.
Na adolescência, junta-se a um grupo de meninos de rua, vivendo de esmolas e pequenos furtos, mas vira um boxeador famoso, que vence um pugilista branco alemão. Por coincidência, um ano depois, nas Olimpíadas de Berlim, o corredor preto norte-americano Jesse Owens conseguir executar façanha semelhante, enfurecendo o chanceler Adolf Hitler.
A relação de Baldo com Jubiabá, um poderoso pai de santo que atua como uma figura paternal e guia espiritual, reflete o papel central da religiosidade afro-brasileira na vida comunitária, ao mesmo tempo em que denuncia os preconceitos contra essas tradições.
Apesar da reverência ao personagem, pautado em vários babalorixás que conheceu, Jorge Amado não perdeu a chance de apontar a religião como um modo de dispersão política. Cada vez mais afinado ao comunismo, não escondeu a posição que preferia para seu herói: o de líder sindical.
Em carta ao amigo e escritor Erico Verissimo, Amado descrevia que, no substrato da trajetória de Baldo, estava a vida pobre dos negros da Bahia, tudo que nela há de grande e belo. “Pretos da Bahia, poetas que vivem em meio à miséria maior, sem perder a gargalhada clara, aquele poder de rir, de cantar, de lutar, que só os negros possuem”, escreveu Amado.
À época do lançamento, Jubiabá foi alvo de mais de 70 críticas, a maioria positivas. Em carta a José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos comentou.
“Eu queria saber com que cara o Otávio de Faria (jornalista e escritor) leu aquilo. Há pouco tempo ele disse que Jorge era um literatinho e que não devia meter-se a escrever romance… Enfim, o livro é ótimo. Tão bom, que aqueles documentos inúteis, anúncios de circo etc.…, não o prejudicam. Mesmo com a preocupação de fazer romance de classe, não penso que o livro do Jorge deforme a realidade, como lhe parece.”
Erico Verissimo também fez uma crítica superlativa. “Se eu tivesse engenho e arte havia de escrever o ‘ABC de Jorge Amado’, um sujeito magro, com olhos de chinês, que nasceu na Bahia, foi rebelde, fugiu de casa, viu a vida e viveu-a com ânsia; um sujeito que ama os humildes e os oprimidos e que, aos 23 anos, é um dos maiores romancistas que o Brasil tem.”
O ápice da aclamação de Jubiabá veio com sua publicação pela editora francesa Gallimard. Ele seria lido e aclamado pelo argelino Albert Camus, que via no livro “o uso comovente dos temas folhetinescos, uma entrega à vida, naquilo que ela tem de excessivo e desmesurado. Um livro magnífico e atordoante”.
A abundância de cultura e falas negras, entretanto, não foi consenso. Provocou reação dura de Eloy Pontes que escrevia a coluna “No mundo das letras”, do jornal O Globo. “Os negros estão na moda”, diria Eloy, diante de tantos “moleques, mães pretas e pais de santo”.
O crítico não escondia um olhar preconceituoso na escolha dos termos. Interpretava como onda literária os enredos povoados de uma gente que via como “descendência ociosa”, que “se consome nos vícios, nas superstições e no crime, nos sambas de “sensualismo incontidos” e “nas religiões grosseiras”.
Críticas
Muitos apontaram que a trama de Jubiabá é relativamente simples e, por vezes, maniqueísta, apresentando personagens com características bem-definidas entre “bons” e “maus”, sem grandes complexidades psicológicas.
Outros, que Jubiabá reforçava certos estereótipos sobre os personagens negros, como o “homem forte e viril” associado à figura do malandro. Ponderava-se, ainda, que o protagonista Antônio Balduíno transitava entre diversas realidades sociais, indo de capoeirista a poeta, de operário a líder de greve. Diante disso, haveria uma certa romantização da vida boêmia e marginalizada, sem um aprofundamento crítico sobre as dificuldades enfrentadas por negros e pobres.
Além disso, talvez diante das suas posições políticas, outros afirmam que o próprio Jubiabá, que dá nome ao livro, é um pai de santo sem muito destaque na narrativa, sendo visto mais como um símbolo do misticismo do que um personagem com profundidade psicológica.
Influenciado pelo comunismo e pelas ideias marxistas, Jubiabá refletiria essa inclinação política de Jorge Amado ao enfatizar a luta de classes e a opressão dos trabalhadores. Algumas análises sugerem que a obra às vezes se aproxima de um tom panfletário, priorizando a mensagem social em detrimento do desenvolvimento literário mais sofisticado.