A morte encontrou Gilvan Lemos no mesmo ambiente em que sempre viveu: seu apartamento na 7 de Setembro, silencioso e cercado por livros. Reservado, comunicava-se, basicamente, somente com a família, onde não havia mulher e filhos. Nunca se casou. De poucos amigos, trancava-se para escrever romances, novelas e contos, talvez algumas cartas e, certamente, muitas anotações. Não se tem notícias, por exemplo, de algum diário ou de uma autobiografia
Mesmo silencioso nunca foi silenciado. Sempre escreveu com incrível obstinação. Não lhe importavam glória e bajulações. Só queria criar, criar sempre, sempre, a todo instante, sem pausa e sem sossego. Sempre só. E, se tinha alguma companhia, eram os seus personagens, aqueles a quem recorria quando precisava conversar ou para a alegria de um cafezinho matinal. Sentava-se à máquina e eles já estavam ali, para a grandeza de sua alma e do seu mundo.
Mágoas e solidão – Recolhia as mágoas, porque o mundo lhe foi opositor e tirava delas o que de melhor podia escrever. Espírito ingênuo, acreditava sinceramente em todas as pessoas. Na década de 1970, acreditou no convite passageiro de um amigo e se candidatou a uma vaga na Academia Pernambucana de Letras. Não fez campanha, teve votação inexpressiva. Pensava que lhe bastava a obra, com tantos romances publicados. Jurou nunca mais pensar em academias.
Mas os acadêmicos alimentavam uma grande admiração pelo escritor e queriam que ele pertencesse aos quadros da instituição. Por indicação de Mário Márcio foram convidá-lo. Depois de muita insistência, Gilvan aceitou. Aceitou e ganhou. Mesmo assim faltou à cerimônia de posse, onde foi representada pela sobrinha Lívia Valença. Passou a frequentar a Academia, onde encontrou amigos verdadeiros, com quem pôde dialogar e falar sobre os filmes que sempre admirou – afinal, foi um cinéfilo determinado.
Ainda na infância em São Bento do Una – cidade onde nasceu – começou a escrever, tendo como modelo ou influências, os filmes norte-americanos, as revistas em quadrinho e obras literárias esparsas. Era difícil encontrar livros na pequena cidade do Agreste, mas ele se empenhava. Tornou-se admirador de Érico Veríssimo – de quem viria a se tornar amigo e recebia todas as obras do escritor gaúcho. Noturno sem música foi o seu primeiro romance, publicado na década de 1950 – inteiramente desconhecido pela crítica, o que lhe provocou a primeira grande mágoa literária. Passou mais de 10 anos sem publicar nada. Escreveu então o seu primeiro clássico – Os Emissários do Diabo, pela Civilização Brasileira, então a mais importante editora do País –, visto logo como uma obra digna de Graciliano Ramos e, por isso mesmo, saudado com entusiasmo pela crítica.
Na década seguinte, as editoras José Olympio e Civilização Brasileira fizeram um convênio para publicar uma coleção chamada Clássicos Contemporâneos. Por indicação de Hermilo Borba Filho, Os Emissários do Diabo foi incluído na coleção e vendeu 40 mil exemplares. Tornou-se, então, verdadeiramente, um clássico e passaria a ser exaltado em todos os recantos, com o nome de Gilvan incluído em todas as antologias de escritores brasileiros no exterior, principalmente nos Estados Unidos.