Janio Santos sobre foto de divulgação

 

A tela, cortada em formato CinemaScope, com as bordas laterais ampliadas, começa no azul. Desatentos — ou apressados em função de certa ligeireza do olhar — podemos não perceber essa não tela (ou tela cromática, de azul-celeste) que se espraia sobre os primeiros momentos de Gerry(2002). Coisa pouca, onze segundos, imagem que fica latente, silenciosa, antes dos acordes iniciais da trilha de Philip Glass e do travelling sobre o carro com Matt Damon e Casey Affleck rumo ao deserto. Neste plano puramente pictórico, o filme de Gus Van Sant antecipa aquilo que seria um detalhe mais adiante: o diálogo com a paisagem. Céu e nuvens, não um cenário sólido, palpável, mas aquilo que pode se intercambiar, irão marcar o encadeamento poético da obra vansantiana nesta fase dos anos 2000. Está em jogo a forma como pensamento, a beleza da matéria que se desfaz, repousa e vagueia, impassível.

 

O elemento figurativo, ou aquilo que pode conter de linguagem narrativa, cede lugar, assim, para as possibilidades do indizível, um tipo de “contar” contemporâneo rarefeito. Nesse caso, e também Elefante (2003), que completa dez anos de lançamento, após ser laureado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, compondo, com Últimos dias (2005), a Trilogia da morte (Death trilogy), Van Sant parece querer nos comunicar algo, dizendo pouco. Diferente de seus filmes anteriores que oscilavam entre atributos abertamente comerciais, como Gênio indomável (1997) ou Um sonho sem limites (1995) e os diálogos com a literatura da Geração Beat, a exemplo de Drugstore cowboy (1989) e Até as vaqueiras ficam tristes (1993), a imagem vansantiana em Gerry agencia uma disposição estética desviante, com seus movimentos dilatados, tomadas de longa duração e poucos diálogos. Como dizia Susan Sontag, no livro A dor dos outros, a questão não é focar a imagem em si, impô-la um preço ético e moral quanto a um estatuto de mediação; e, sim, tentar entender o que ela nos coloca de reflexão. Afinal, a autora mesmo reitera: “não há nada de errado em por-se à parte e pensar (com a imagem)”.

 

Mas o que é esse esvaziamento do drama? O que é o fenômeno de contenção narrativa que se vincula ao culto da imagem e que, ao mesmo tempo, rechaça o espetáculo (o visual) e a verborragia (a voz)? Onde se situam as subjetividades nessa paisagem aparentemente nula, de peças humanas que parecem não querer se conectar, pelo menos verbalmente (em termos textuais, francamente expressos) ou pela certeza das ações de causa-efeito pré-determinadas? É evidente que existem contribuições oportunas nesse sentido, sobretudo no campo culturalista, que são efetivas para se pensar nos mecanismos que nos levam ao contexto da superexposição da imagem, da saturação e das tensões ideológicas na sociedade atual, pontos preconizados por Fredric Jameson, Zygmunt Bauman, entre outros. Contudo, o que se quer enfatizar, com base no tempo antinarrativo (em que nada acontece) e no apelo à forma, é apontar outra coisa: uma solução, caminho este que nem é pura abstração nem representação direta da realidade. As nuvens, pedra-de-toque vansantiana desde o seu primeiro filme, Mala noche (1985), passam a orientar, a partir de Gerry, o cinema do diretor norte-americano em direção a uma mudez progressiva, mas não menos eloquente com o campo das artes plásticas.

 

É possível pensar, deste modo, em dois aspectos enfeixados: a pictorialidade e o afeto da imagem, na maneira como foram retrabalhados conceitualmente por Gilles Deleuze (1925-1995), particularmente em dois livros, Francis Bacon: lógica da sensação e A Imagem-tempo (Cinema 2). A noção de uma presença pictórica na arte moderna guarda relação com o que Deleuze concatenava em torno do conceito de uma “imagem como intensidade”. Ao pensar a tradição da pintura e na sua função clássica da representação, o filósofo francês irá vislumbrar uma nova forma de pintura que se liberta dos compromissos da fidelidade dos traços e dos esquemas figurativos.

 

O pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992), com seus quadros que conjuram corpos, espaços e cores distorcidos, seria um modelo de estética aplicada a um ideal de imagem deleuziana contra os clichês narrativos. Telas como o tríptico Três estudos para uma crucificação (1962) ensejam algo em que nada acontece, mas um “algo que se passa”. Não ilustram, mas apresentam. Mostram “corpos sem órgãos” (colunas vertebrais que fogem da pele), toda uma estrutura livre por onde só passam fluxos — potência de afetos, intuições e desejos de uma realidade vivida que só pode ser explicada dentro da ordem da sensação. Ainda segundo a análise deleuziana, os corpos, os objetos e o espaço não contam história alguma, nem mesmo quando os corpos são colocados próximos um ao outro. Trata-se da ideia do “figural”, resgatando, nisso, um conceito de Jean-François Lyotard, reapropriado por Deleuze para refletir o estatuto filosófico da imagem no campo do sensível, que temporariamente abandona o domínio da linguagem.

 

As nuvens e a mise-em-scène de Gerry, cercadas de uma tessitura delicada, e não do grotesco e do horror do mundo, funcionariam tematicamente como antípodas ao universo angustiado de Bacon. Não que a Trilogia da morte de Van Sant esteja apartada de temas crucialmente humanos. Elefante se insere, particularmente, no limiar da violência e do absurdo, ao reconstituir livremente o massacre da Escola de Columbine, ocorrido em 1999 nos Estados Unidos. É preciso, porém, atestar a semelhança entre os projetos de Bacon e Van Sant na quebra do clichê narrativo. Compartilham, de forma análoga, respeitando evidentemente as diferenças técnicas e práticas próprias ao campo do cinema e das artes visuais, um interesse pela mancha e pela imagem borrada. Enquanto Bacon mostra faces e figuras contorcidas por meio da intervenção física sobre as formas pintadas (escansão da superfície, varredura da tinta etc), Van Sant opera com o corte e o (des)foco dos planos para criar um efeito de suspensão, no qual o corpo atual se virtualiza e torna-se massa pictural.

 

O corpo reinventa-se, é fluxo. Ele existe, está ali. Mas não é mais figura, nem chega a ser abstração pura. Em uma das cenas de Gerry, filme que mostra dois jovens rapazes, praticamente anônimos ao longo da história (infere-se apenas que eles têm 20 e poucos anos de idade e que chamam um ao outro pelo mesmo apelido, “Gerry”), perdidos em um deserto, os corpos de Damon e Affleck ganham o valor de “imagem de intensidade”. Até mesmo o lugar é desterritorializado, já que somente pelas marcas visuais não há como aventar a origem ou o traço identitário do espaço filmado. É verdade que Van Sant propicia esse desconforto. Usa locações variadas, numa colagem de cenas colhidas em Salta, na Argentina, e nos desertos de Utah e de Mojave, na Califórnia. Dessa forma, a desconstrução da paisagem, retratada inicialmente de acordo com a tradição dos westerns, como um ambiente mítico e hostil, é desviada para a retórica da nuvem que irá se aderir à massa corpórea das personagens. Ela, massa nebulosa, em dado momento, será o filme em si, silêncio puro.

 

Este momento “figural”, de algo que aponta para o domínio das sensações e não mais do narrativo, pode ser visto quando os dois “Gerry” atravessam a planície em direção à região das montanhas, depois de se depararem com pegadas de animais. Ao ultrapassarem uma grande cortina de rochas para procurarem água, eles alcançam uma espécie de deserto de sal. Cumprindo a sina da caminhada, os homens à deriva, sempre acompanhados de perto pela câmera, passam a ser perscrutados junto ao rosto, em uma tomada em close up. É nesse instante que se efetua um plano desconcertante: com as duas faces perfiladas, que se movem uma sobre a outra, sobre um plano de fundo branco quase invisível, o efeito do corte vansantiano sugere um estado pictórico. Vemos movimentos dentro de um microcosmo celeste metafórico (o sal que parece nuvem), efeito induzido em virtude de um cenário sem horizonte, cortado. Em outras cenas, a intuição do detalhe se repete. Por frações de segundos (seria necessário parar o frame para visualizar com exatidão), vemos também o corpo de Damon borrar a tela, em meio ao calor delirante e à lenta degradação física e moral (ânimo) das personagens.

 

A metamorfose das nuvens em tempo e não matéria é emblemática em Gerry. Ao longo dos 103 minutos do filme, paira uma imagem nebulosa, que cresce, avoluma-se. No entanto, vê-se a recorrência desse tipo de imagem também em Elefante, principalmente na caminhada rotineira dos estudantes pela escola. À medida que o evento trágico se aproxima, minutos antes da chacina, os alunos que perambulam pelos corredores ganham o status de uma imagem baconiana. Com o simples uso de frestas de luz e distorções fora de foco, os corpos experimentam um abismo, um estado de pré-morte que se avizinha. É como se a imagem condensasse o todo que irá culminar logo adiante. Assim com no quadro da crucificação de Bacon, há o prenúncio do horrendo. O trágico, antes mesmo de acontecer, já estava ali. O abismo está no meio de nós.

 

Condensar a imagem não é reduzi-la, mas ampliá-la, escavá-la, abri-la em diferentes espectros. Percebê-la não como julgamento, olhar imediato, porém como um “pré-juízo da percepção”. Este é o segundo aspecto. O espaço afetivo imagético é o lugar do choque. No livro A imagem-tempo, Deleuze converge pensamento e movimento para destacar a imagem que se move sobre si mesma. Portanto, a imagem condensada não está parada. A imagem sobre imagem é embate, reflexão pura. A pintura, por dialogar com a imaginação, lida com o “espírito” que, por sua vez, leva ao movimento. Mas o cinema precisa de algo que o force a acontecer: um pensamento-afeto. Segundo a visão deleuziana, particularmente presente no livro Mil Platôs, coescrito com Félix Guattari, o afeto não é uma afecção, ou seja, um sentimento, uma faculdade mental ou um pensamento concluso. Pode até ser condição para um dado subjetivo, ao analisarmos obras de arte que nos provocam emoções ou intuições individuais. Mas afeto enquanto devir é “onda de choque”, algo que leva a alguém sentir coisas que não sentia, ver coisas que não via e pensar coisas que não pensava. Constitui uma potência (e não somente uma possibilidade) em criar subjetividades, em permitir que o outro desenvolva seu próprio raciocínio sobre vivências que o afligem ou inquietam.

 

A nuvem em Van Sant propõe o choque deleuziano. Desconcerta a visão, chacoalha a perspectiva, embaça, desnorteia. Corre sobre o céu, filmada de longe, em slowmotion ou time-lapse. Nesse tipo de abordagem poética, muito comum em seus primeiros filmes, como Garotos de programa (1991), já se introduzia a ideia do pensamento-afeto. Tais intenvenções nebulosas retornam na Trilogia da morte, durante os anos 2000, acrescidas de maior presença. A massa de vapor não apenas adquire estatuto de personagem (e não apenas paisagem) como também de sujeito, de matéria leve que age sobre a cena. Em uma cena, Van Sant reapropria-se do contra-plongée, a tomada de câmera de baixo para cima, técnica imortalizada por Leni Riefenstahl. Pela proposta original da cineasta alemã, o uso de um ângulo excessivamente baixo tendia a um propósito específico, que era conotar um apelo à grandeza do corpo ariano e o apoio à propaganda nazista. Tal recurso é resignificado em Gerry, com Damon e Affleck filmados de baixo para cima no deserto, olhando o chão. Atrás deles, nuvens esparsas em um céu todo esbranquiçado, de azul pálido. Em vez de mitificá-los, a câmera os humaniza, os apequena diante do destino irrefutável de uma natureza que os espreita. Em Últimos dias, filme inspirado livremente nos dias finais que antecederam a morte do músico Kurt Cobain, ex-vocalista do Nirvana, a onipresença das nuvens dá-se na forma de reflexos (em para-brisas de carros, janelas etc), todos elevados a categorias do visível. O filme atém-se tanto à nuvem, que, às vezes, a tela se transfigura totalmente. Enquadrado por longos minutos, o para-brisa de um veículo, em um dia de sol, faz desaparecer aqueles que estão no banco da frente: o corpo é puro fluxo. Nada escapa à indicialidade da nuvem. Ela é um fantasma, que nos indaga, provoca a todo instante.

 

Enquanto elemento pictórico, a nuvem ocupa um posto de tradição na pintura que remonta desde a Antiguidade, isto é, não é um motif exclusivo ao cinema e à fotografia, embora o padrão gasoso detenha um estatuto peculiar na arte moderna. A representação do céu, com seus cirros ou cúmulo-nimbos, já se dava em afrescos de Pompeia, datados de mais de dois mil anos, antes de a cidade ser soterrada pelo Vesúvio. Desenhos de nuvens, elemento metamórfico e intangível, aparecem, ainda, em quadros de Domenico Fetti (1589-1623) e Luca Giordano (1634-1705), no Barroco italiano; nas telas impressionistas de Vincent van Gogh (1853-1890); ou reprocessados em obras tridimensionais, incluindo A l’heure de l’observatoire les amoureux (1934), de Man Ray, e na instalação Silver Clouds (1966), de Andy Warhol (em recente comercial para divulgar o álbum Artpop em Londres, a cantora Lady Gaga fez um pastiche dessa obra warholiana). Antes disso, no movimento da fotografia pictorialista, no começo do século 20, Alfred Stieglitz elege a nuvem como seu tijolo estético. Na série Equivalents, produzida por quase dez anos (1925-1934), o fotógrafo norte-americano registra centenas de imagens, em preto e branco, que capturam evanescências e rastros de nebulosas. O recorte é tão radical que se perde a noção de espaço e tempo. Quebra-se a linha do horizonte, enxergam-se apenas as filigranas de uma realidade.

 

O professor da Nouvelle Sorbonne, em Paris, Philipe Dubois, analisa a pictorialidade da nuvem no livro O ato fotográfico e outros ensaios: “A nuvem é, antes de mais nada, uma substância corpuscular sem contorno, sem forma definida, sem corpo próprio, uma espécie de véu, de cortina, um lençol de vapores, um condensado de auras — e sobretudo algo que não existe por si só. (...) Ela própria, incolor, é aquilo que, pela graça da reflexão, proporciona matéria à luz, a atualiza, a torna visível: como assinala Aristóteles, as nuvens têm a propriedade que faz com que elas funcionem em sua massa ‘como espelhos, mas como espelhos que só devolvem cores’ — o efeito pôr-do-sol, se quisermos”. Ora, Dubois se refere à nuvem como um afeto deleuziano, um nada, uma coisa sem significado algum, mas uma massa matricial, origem cósmica, água em forma rudimentar que pode refratar pensamento, um devir que sempre muda. Além de “afetos”, Deleuze pensa em termos como “intuições” e “sensações”, assim define o professor da UFRJ Roberto Machado, no livro Deleuze – a arte e a filosofia. Afetos, intuições, sensações, isso é o que a imagem nos conta.

 

O deserto de sal em Gerry é, portanto, uma névoa condensada. Se afastarmos o olhar para uma visão macro, repetindo o gesto ensaiado pela câmera de Van Sant, do micro para o todo emoldurado por montanhas, paisagem seca e monocromática (em tom branco-gelo já no final do filme), iremos perceber que o filme é um relicário de nuvens, potência de afetos. Evm relação à ideia de uma imagem pura, desatrelada da narrativa, da cronologia e do figurativo, inscreve um tipo de imagem a que Deleuze chama de “imagem-cristal”. Trata-se de um modelo de imagem, destituído de movimento evidente, mas que carrega, em si, a coalescência de experiências e memórias. O cristal seria essa estrutura bifacial, indiscernível, que ao mesmo tempo revela e esconde os fiapos do tempo. A contração dos acontecimentos em uma única cena, e não apenas uma imagem, também pode ser entendida como um substrato de duração que não se legitima por um tempo puramente abstrato mas espacializável. O tempo, assim, torna-se espaço e afeto. Vemos essa situação na disposição labiríntica dos corredores da escola em Elefante, ou na casa do músico Blake em Últimos dias, e também em outras cenas, em que movimento de câmera e personagem se anulam e coexistem.

 

Na tradição do cinema, Gus Van Sant não inaugura uma categoria de preocupação com as nuvens (Robert Bresson, D. W. Griffith e Theo Angelopoulos já seguiam uma linha de propensão a imagens etéreas), muito menos de ruptura com o tempo e a narrativa convencional (Chris Marker, com seus múltiplos pontos de vista; Yasujiro Ozu, e suas cenas do cotidiano moderno de Tóquio; e Alain Robbe-Grillet, que leva os princípios do Noveau Roman para a imagem, perfilam um status de pioneirismo na experimentação imagética). A Trilogia da morte vansantiana finca-se em outro lugar particular, mais vinculado a um cinema contemporâneo transcultural (ao lado do taiwanês Hou Hsiao-hsien, do húngaro Béla Tarr e do mexicano Carlos Reygadas), que opta pelo tempo dilatado e pela pausa. Falar sobre silêncio, cenas de suspensão contra a ligeireza, o medo e as lacunas de memória; a nuvem contra a ação, as violências, as certezas estanques e frágeis; tudo isso, o contrafluxo, pode ser um “elogio à leveza”, pontua o professor de Comunicação da UFRJ Denilson Lopes, em A delicadeza – estética, experiências e paisagens, ao discorrer sobre cinema a exemplo de Hsiao-hsien.

 

Em um de seus artigos, Lopes tece um discurso em prol do cinema de borda, capaz de questionar convenções de linguagem e de forma, um cinema que busca “paisagens efêmeras” e que “traduzem toda uma sutileza de afetos”. Citando o escritor Paul Auster, ele demarca a epítome do que, na arte, parece propor sermos, nós próprios, uma nuvem: “Precisamos aprender a parar de sermos nós mesmos. É aí que começa, e tudo o mais continua neste ponto. Devemos evaporar, deixar nossos músculos se entorpecerem, respirar até sentir a alma sair de nosso corpo. E depois fechar os olhos. É assim que se faz. O vazio dentro do nosso corpo se torna mais leve que o ar ao redor. Aos poucos, começamos a pesar menos do que nada. Fechamos os olhos. Abrimos os braços. Evaporamos. E então, aos poucos, subimos no ar. Assim”.

 

A imagem da nuvem é, dessa forma, um estado de presença constante. Matéria em formação que não para de mover-se e de cessar. Por isso, não é possível explicitar suas razões, nem caberia delimitá-las. Exatamente esse utilitarismo na interpretação da arte que Susan Sontag critica, em Contra a interpretação, advogando, de outro modo, um “erotismo” no olhar: “A finalidade de todo comentário sobre arte seria fazer obras de arte — e, por analogia, nossa própria experiência — mais reais, e não menos, para nós. A função da crítica deveria ser mostrar como isto é o que é, ou mesmo que isto é o que é, do que mostrar o que isto significa”. É a fragilidade do óbvio da vida, o afeto que é nada, o amor que é ilusão, tão bem explicitada pelo escritor panamenho, radicado mexicano, Carlos Fuentes (1928-2012), no livro de contos Inquieta companhia. Assombrado pelos fantasmas de suas tias anciãs, o jovem Alex (do conto A boa companhia) pergunta a elas por que ele deve entrar e sair às escondidas, pela porta dos fundos, e não pela porta da frente. “É um enigma”, responde uma das tias. De fato, é isto: a nuvem é um enigma em forma de bruma.