Ilustração: João Lin
O escritor Gabriel García Márquez fez cinco versões do romance até então inédito Em agosto nos vemos, que tem lançamento mundial em 41 idiomas neste 6 de março, data em que o Prêmio Nobel de Literatura colombiano faria 97 anos. Apesar de ele ter dado o “Grande Ok” após a quinta versão finalizada, como atesta uma das páginas em fac-símile, a curta história de 80 páginas narrando a última aventura literária amorosa do autor de Cem anos de solidão ainda estava longe de alcançar os momentos consagradores da obra do autor.
As fragilidades do texto inacabado, que Gabo certa vez disse querer ver queimado, justifica a proteção que cercou o lançamento para que não fosse publicada qualquer crítica antes de vir a público esse romance trabalhado por ele entre 2003 e 2004, a fim de não prejudicar a pré-venda e tirar o ânimo dos fãs mais fiéis.
As idas e vindas de Ana Magdalena Bach a uma ilha caribenha no dia 16 de agosto, a cada ano, para levar arranjos de gladíolos ao túmulo da mãe, segue o movimento das marés, que se repetem, mas nunca são as mesmas, assim como não são os amantes com quem ela se relaciona e deixa o corpo empapado.
Esses encontros em cinquenta tons de erotismo caribenho alteram seu humor e mexem com seu relacionamento com o marido, até então o único homem de sua vida, maestro bem sucedido em seus movimentos tanto na música como na vida conjugal e fora dela.
Ana Magdalena nunca volta a mesma para casa. As visitas ao cemitério, que para a mãe defunta “era o único lugar solitário onde não conseguia se sentir só”, também deixam de ser iguais, refletindo as transformações da ilha, em decorrência do turismo e da exploração econômica, denunciadas pelo escritor.
Em agosto nos vemos é agradável em muitos momentos como a melodia de Claire de lune, de Debussy, que embala, mas no ritmo do bolero, entre doses de gin com soda e taças de champanhe, as aventuras dessa mulher de 46 anos de corpo ardente e “olhos de topázio”. A escolha da música do compositor não é por acaso, pois evoca sentimentos e impressões distintas como felicidade e tristeza.
Verlaine escreveu, em Claire de lune: “Cantando em modo menor/ O amor triunfante e a vida oportuna,/ Não parecem acreditar em sua felicidade”. Os versos inspiraram Debussy. Ana Magdalena tem a chance de ser feliz e sexualmente realizada. Contudo, há um preço em tudo, especialmente nas virtuoses do amor, em cenas ou descrições de García Márquez, que são como rubricas de ajuda ao roteirista de uma futura adaptação para estreaming. Pouco mais que isso.
Alguns dos contos que compõem o romance - pelo menos versões de três deles - eram conhecidos do público antes da morte de Gabo. Faltaram tempo e condições no fim da vida para a lapidação do texto.
O leitor mais atento tropeça acidentalmente em cenas e frases, em alguns trechos, em que falta uma melhor escolha das palavras para suas descrições, que às vezes se soam clichês, de gosto duvidoso, embora o desfecho traga traz uma assinatura que todos reconhecem em Gabriel García Márquez.