Uma das mais honestas apreciações da obra do pintor Cícero Dias foi feita pelo escritor Rubem Braga. Numa crônica toda dedicada a isso, intitulada "Coqueiros em Paris", e publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 25 de agosto de 1948. Já perto do final do seu texto, ele confessa ter nutrido uma secreta desconfiança pelo artista, e explica a razão: “quando conhecia apenas alguns quadros, e não dos melhores, da primeira fase. Mas depois vi os desenhos da ‘Ilha dos Amores’ e alguma coisa amontoada em seu atelier em Paris”.
Quais desenhos são esses da Ilha dos Amores? O célebre episódio d’Os Lusíadas rendeu uma publicação (Lisboa, Ática) de tiragem limitada a 180 exemplares, com litogravuras aquareladas por Cícero Dias. Nada mais coerente que interessasse ao brasileiro ilustrar a parte mais lírica e sensual do épico/lírico português. O pintor cujo estilo chegou a ser chamado por Gilberto Freyre de sur-nudismo. Este, num artigo publicado no Diario de Pernambuco em 1947 diz que, “como a respeito de Cícero Dias das ilustrações para a Ilha dos Amores, de Camões, me sinto obrigado a escrever mais uma vez, pela pura alegria de me reafirmar admirador de sua pintura”.
O episódio da Ilha dos Amores está contado por Luís de Camões nos cantos IX e X d’Os Lusíadas. É o espaço do maravilhoso, do prêmio pelo heroísmo, das vacaciones, da evasão. Se houve uma Pasárgada para Manuel Bandeira, houve para Camões uma Ilha dos Amores – dos Amores porque comandada por Vênus/Afrodite, e lugar de descanso e prazer: uma das tantas formas do Paraíso, como a Cocanha, Xanadu, Shangri-La etc. Claro que a Ilha dos Amores não é o locus amoenus da simples evasão individual. Entre as tantas ilhas, sem esquecer-se das do Ontem e do Amanhã, a não Encontrada, a de Camões serve como o paradiso, o reconhecimento às glórias lusitanas. as ilhas são lugares tão dominantes na imaginação de lugares não existentes que mais de 1300 referências a elas há no livro de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi sobre os lugares imaginários.
Na Ilha dos Amores está a famosa Máquina do Mundo, um tópico dos mais repetidos na literatura. Entre os vários autores que fizeram mover tal máquina esteve Carlos Drummond de Andrade.
O texto de Camões serve a Cícero Dias como pretexto para exercitar a sua própria imaginação. Onde as linhas curvas predominam sobre as linhas retas, quando se trata da figuração. Onde o Eterno Feminino compõe sob a forma de múltiplas danças aquele mundo que ele viu, ou anteviu, e não começava no Recife: e, sim, no engenho Jundiá, o seu paradiso particular.