O lugar mágico onde a criação habita

Atriz, roteirista, apresentadora e escritora relança, 35 anos depois, seu primeiro e único romance, "Filmes proibidos", refletindo, em entrevista, sobre sua relação com a literatura

Em 1990, dois momentos foram decisivos para a atriz e escritora Bruna Lombardi: a mudança com a família para os Estados Unidos, o que resultou no seu afastamento da televisão brasileira, aos 38 anos, onde brilhou em novelas e minisséries, e o lançamento do livro Filmes proibidos (Companhia das Letras). Trinta e cinco anos depois, o seu primeiro e único romance ganha reedição pela Editora Record.

Nascida Bruna Patrizia Romilda Maria Teresa Lombardi tem espírito camaleônico, inquieto. Filha do fotógrafo e cineasta italiano Ugo Lombardi e da atriz austríaca Yvonne Sandner Lombardi, Bruna estreou como modelo de publicidade, em 1967, e em 1977 estreou na televisão, atuando no folhetim Sem lenço nem documento, de Mário Prata, na TV Globo. Um ano antes, havia feito sua estreia na literatura, com o livro de poesia No ritmo dessa festa (Editora Três), cujo prefácio foi assinado por Chico Buarque.

Bruna consolidava sua carreira de atriz na TV atuando em novelas (Aritana, onde conheceu o marido, Carlos Alberto Riccelli, Um homem muito especial e Avenida Paulista), quando interpretou seu papel de maior sucesso de público e de crítica: Diadorim, na minissérie adaptada do romance Grande sertão: veredas (1985), que rendeu o ensaio poético de filmagem Diário do grande sertão (Record). Ela acabara de se firmar como escritora, mostrando que não era autora de um único livro, ao publicar dois novos títulos de poesia. Autores consagrados como Rubem Fonseca, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e Clarice Lispector, entre outros, renderam-se a Gaia e O perigo do dragão. Multifacetada, enveredou, também, na roteirização de filmes e comandou o programa Gente de expressão, que realizava de Los Angeles, entrevistando artistas como Dustin Hoffman, Mariah Carey e Mel Brooks, David Bowie, Francis Ford Coppola, Tom Jobim, Keith Richards, entre outros. Foi nesta época em que escreveu o romance Filmes proibidos.

O livro aborda a paixão obsessiva de uma mulher de 30 anos por um homem desconhecido, com quem ela se envolve no mesmo dia em que o conhece. Apesar de situado entre o final dos anos 1980 e começo dos 1990, poderia facilmente ser confundido com um texto que se passa na atualidade, não fossem as recorrentes chamadas de telefones fixos, as secretárias eletrônicas e os telegramas enviados pelos personagens.

A protagonista pode ser qualquer garota que vive numa grande metrópole no final dos anos 1980, um mundo analógico em transformações geopolíticas e culturais. “Se não fossem as conversas telefônicas e a queda do Muro de Berlim, talvez o leitor mal percebesse”, afirma a escritora Giovana Madalosso, que assina a orelha da nova edição. O livro, na prática, se resume à personagem feminina que não tem nome, e que conhece um jovem misterioso, com quem sai para jantar e já engata em um caso amoroso. A partir daí sua vida vira ao avesso. O homem por quem ela se apaixona em apenas uma noite viaja no outro dia para Berlim, some por meses, reaparece, vai para Hong Kong, some novamente, não dá pistas exatas do que faz na vida – apesar de deixar subentendido que não seria conveniente para a mocinha ter conhecimento de suas atividades –, seria um risco.

Em um dos trechos, Bruna destaca a agonia que essa paixão provoca na personagem: “Quero uma ópera. Quero a Tosca de manhã. E lucean le stelle…Quero ir além das sensações extremadas, quero toda a mise-en-scène da dor. Ai, quero gritos, estremecimentos. Agudos, timbres impossíveis. Quero me convencer do que aconteceu. Não sei o que fazer desse sentimento. De tudo restará esse adágio, essa nota melancólica”.

Filmes proibidos mostra um amor nascido do acaso e que leva a protagonista não às nuvens, mas a um poço de dúvidas, saudades, ansiedade, numa espiral bem conhecida de algumas mulheres que se apaixonam e se dão mal. Deixam de viver, passam os dias esperando um toque de telefone, definham pela paixão.

“Essa aventura passional acontece na virada da década de 1980 para 1990, à beira de um novo século e da chegada de um novo milênio. A geração que protagoniza esta história tem por volta de 30 anos e ainda não sabe o que a aguarda. Urbana, pós-moderna, fascinada pela explosão techno e pelos computadores pessoais, ela ainda não tem internet, redes sociais, Google, celulares, selfies, WhatsApp, streamings, algoritmos, aplicativos e muito menos IA”, explica Bruna Lombardi, lembrando que os personagens – a maioria sem nome – vivem principalmente no ritmo que se vivia na São Paulo daquele tempo.

“A efervescência cultural mistura livros, músicas, artes plásticas, moda e baladas. A noite ferve com seus personagens. As tribos são identificáveis. No agito das madrugadas, a exaltação do sexo e o aumento do consumo de drogas. É o surgimento do ecstasy e o surgimento terrível da AIDS”, diz a autora.

A protagonista, uma mulher bonita, produtora de televisão, encanta o sexo masculino por anda passa, assim como faria Bruna. Ela mantém, no intervalo das esperas do homem misterioso, amassos com o ex-marido, com desconhecidos e com um vocalista mais jovem de uma banda de rock metal.

Entretanto, Bruna Lombardi não criou apenas uma mulher com conflitos amorosos. A personagem é culta, ama cinema e livros, e artisticamente capaz de travar diálogos que demonstram profundidade. Ao conversar com um antigo professor da faculdade, registra-se essa frase. “Para escrever é preciso expor sem pudor coisas particulares. Não se escreve um romance sem ferir mortalmente alguém. O terrível é que a arte desmascara. Liberta, mas desmascara.”

Em seguida, nova afirmação, feita pelo professor. “Veja a poesia, mas seja capaz de ver a célula solta, entregue. Um fragmento de Maiakóvski encontrado junto a uma bomba no bolso de um terrorista morto na Palestina. A poesia possui a ambivalência da fé e como a fé pode se tornar uma máquina destruidora e explosiva.”

O livro, segundo Bruna Lombardi, nasceu a partir de um empurrão do escritor Rubem Fonseca, de quem tornou-se muito próxima, e que a motivou, insistindo para que escrevesse um romance, que não se restringisse à poesia. Ele foi o primeiro a ler o original, dando suas bênçãos para que fosse lançado e a quem dedicou o livro.

História que gira em torno do amor e da solidão dos que vivem em grandes cidades, de amores interditos e angustiantes, Filmes proibidos não deixa de ter um tom “fonsequiano”, a partir do suspense e do mistério que cerca a relação da jovem; do ritmo frenético e agitado da narrativa; das dúvidas quanto ao misterioso homem por quem a protagonista se apaixona, que muitas vezes aparenta ter ligação com negócios escusos.

“Sentada na ponta do cais, num lugar cheio de manchas brancas do cocô das gaivotas, olhei a escuridão do mar… O cais parecia a má projeção de um velho filme… De repente, um caso de amor se transforma num filme policial B e me cerca dos bandidos do meu gibi. Não sou exatamente o tipo de pessoa que suporta ignorar o porquê das coisas, mas não era hora de perguntar nada.”

Bruna Lombardi admite que a reedição do livro aconteceu diante dos pedidos de vários leitores, que seguem suas contas da Rede Felicidade nas redes sociais, comunidade virtual por meio da qual ministra palestras e compartilha conteúdos, dividindo experiências com o objetivo de auxiliar pessoas no caminho da plenitude. Após ouvir os pedidos e reler o livro, viu que ele, de fato, não era datado, à exceção da parte tecnológica. E com apoio da editora decidiu colocá-lo de novo no mercado.

O mesmo já havia acontecido anos antes com Poesia reunida (2017) que traz três dos mais festejados livros da autora. No ritmo dessa festa, Chico Buarque alertava no prefácio que “era preciso separar o rosto de Bruna da poesia de Bruna”. A poesia dela é uma afirmação da sua sexualidade, da sua força feminina. Muito antes das mulheres falarem em empoderamento, ela causou um susto num país onde o conservadorismo dava cartas, onde a ditadura ainda vigorava. Em 1976, no primeiro livro, a jovem poetisa escreveu em “Tocaia”: “Que o amor nos possuísse/ no meio de um descampado/ num jogo que não tem regra/ nem pecado./ Numa tortura lenta/ com ritual absoluto/ que o amor nos possuísse/ doce e bruto”.

Lançado em 1980, Gaia trazia nas orelhas elogios de Ferreira Gullar, Orígenes Lessa, Renato Pompeu. Foi nesse período que Bruna se firmou junto ao público como um valor expressivo para a poesia contemporânea, encontrando eco na opinião de críticos especializados, pela sua habilidade de imprimir ritmo, estabelecer métrica e rimas e despertar emoções nos leitores.

“Doido” é um dos poemas do livro e que pode ser tomado como exemplo de um estilo que foi copiado por poetisas brasileiras que viram em Bruna o sinal verde para que expusessem seus desejos, não tivessem vergonha de ter tesão. “Mas você é um bicho pequeno, sem-vergonha, que escorre entre os dedos, se esconde entre as dobras do lençol e morre de uma morte tão fingida, que é muito fácil chorar por você. É muito simples.”

O perigo do dragão (1984) teve repercussão ainda maior, e foi dedicado a Carlos Alberto Riccelli. Mário Quintana foi à Feira do Livro de Porto Alegre para pegar um autógrafo da autora – daí nascendo uma amizade que duraria até o fim da vida do poeta. O fundador das Organizações Globo, Roberto Marinho, por sua vez, fez questão de assinar, do próprio punho, uma crítica elogiando a poesia de Bruna Lombardi no seu jornal.

Entre os poemas desse livro está “Pacto”: “Entre teu signo e o meu/ existe uma possibilidade de veneno/ umas tintas de vermelho/ meu moreno./ E se a paixão há de ser provisória/ que seja louca e linda/a nossa história.

A repercussão do livro acabou a colocando na capa da revista Veja, que a apontava como a nova voz da poesia contemporânea, ao tratar do tema da mulher pela visão e poética feminina. Nesta edição saiu, inclusive, uma resenha do poeta Paulo Leminski, que dizia: “Bruna continua praticando uma espécie de humor irritado, que é a sua marca, herança talvez de vovô Carlos Drummond de Andrade, cuja poesia ela parece ter frequentado com prazer e proveito. Esse humor irritado está a serviço de uma ‘mulheridade’ assumida ostensivamente, que é muito melhor que qualquer postura política”.

As palavras de Leminski não deixaram de ser proféticas. Ao assumir o programa Gente de expressão, da extinta TV Manchete, Bruna brigou com o roqueiro Bon Jovi, que lhe deu uma cantada dizendo que ela devia ser uma “mulher cara” e que “gastaria uma grana para fazê-la feliz”. Enfezada, com a voz irritada, a apresentadora respondeu que ganhava seu próprio dinheiro e não precisava de homens para ter o que desejava.

Com o então empresário Donald Trump, que, em 1992, passava por uma crise financeira, Bruna mostrou novamente que pode ser bem-assertiva. Recém-divorciado de Ivana Trump, a brasileira o questionou se, em meio a tantos negócios, estava apaixonado. Ele retrucou, de forma melosa, perguntando se ela estava apaixonada, recebendo uma tréplica dura: “O programa é meu. Você só responde, não pergunta”. Era o sinal para que o atual presidente dos Estados Unidos entendesse o âmbito profissional da conversa.

Longe da televisão desde 2015, quando viveu Branca na série O quinto dos infernos, Bruna viveu as últimas duas décadas se deslocando entre São Paulo, onde mora atualmente, e a Califórnia. Uma opção dela e de Riccelli de estudar, de viver a vida com mais liberdade, e de não se fecharem num ambiente confortável, que teria sido a participação garantida em novelas para ambos.

Seu último trabalho audiovisual, o seriado A vida secreta dos casais, criado por ela e dirigido pelo marido Carlos Alberto Riccelli – com quem vive há 47 anos – e o filho Kim, atualmente com 43 anos, é uma mostra de um caminho que a artista vem se dedicando cada vez mais: trabalhar em parceria com a família, que já tem inclusive uma produtora própria, a Pulsar. A capa de Filmes proibidos, por exemplo, foi produzida por Kim, assim como a de Poesia reunida.

Em 2015, publicou o livro de autoajuda Jogo da felicidade; em 2017, Clímax (que também traz poemas) e, em 2024, Manual para corações machucados, formado por crônicas e reflexões sobre a vida, espiritualidade e amor. Ela também produziu com o marido Riccelli o longa-metragem O signo da cidade, premiado nos festivais de Manaus e Goiânia, que tem Juca de Oliveira como ator principal. Neste caso, Bruna assinou o roteiro e o marido a direção.Na entrevista a seguir, Bruna dá mais detalhes.

Você relança o romance Filmes proibidos. Como o definiria e por que republicá-lo agora?
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A reedição de Filmes proibidos, com textos inéditos e alguns cortes, é uma edição nova. Para mim é muito significativo, porque é um livro que eu adoro, mas o que importa é que não veio de mim a ideia, veio de uma forma orgânica, através do próprio público, das pessoas que, dentro das minhas redes sociais, mandam recados, conversam, escrevem comentários. Esse livro tinha muitas frases destacadas com o público e isso me chamou a atenção, porque, depois de tanto tempo, quando as coisas ficam, permanecem, eu fui dar uma olhada e achei o livro muito atual, assim como os editores acharam, e a própria escritora Giovana Madalosso, que fez a orelha do livro, falou que é muito, muito atual o livro.

No livro, você não só conta a história da protagonista, uma mulher de 30 anos vivendo uma paixão fulminante e obsessiva, em São Paulo, mas também o recheia com várias referências musicais, cinematográficas e literárias. Elas traduzem suas preferências artísticas?
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As referências musicais, cinematográficas e literárias, sim, são minhas preferências, mas também são muito intrinsecamente ligadas àquele momento daquela personagem, porque os lugares que ela frequenta, a cidade (de São Paulo) também acaba sendo uma protagonista no livro e reflete toda uma época… Onde as pessoas adoravam cinema, se encontravam nos bares e, como está escrito, inclusive, na introdução que eu fiz agora, neste ano, antes da edição, para diferenciar o que é intrinsecamente ligado a essa história, que é um período onde quem hoje nunca vivenciou aquilo não pode imaginar o que seja você viver sem celular, sem Internet, sem aplicativos, com uma série de outros questionamentos e maneiras de viver. Então, eu acho que isso é muito interessante rever no livro.

Você também utiliza, no livro, algumas imagens para falar, com ironia, sobre assuntos que fazem parte da sua carreira e vida: como a prateleira empoeirada e escondida de poesia numa livraria. Apesar do grande sucesso que seus livros de poesia provocaram, a imagem é uma alusão à dificuldade de viver apenas de livros, especialmente os de poesia?
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Eu adoro bons observadores como você com essa pergunta da poeira na livraria, porque sim, eu acho que todo autor coloca pistas dentro de um livro. São pequenos sinais, pequenas coisas que você vai deixando pelo caminho para os bons observadores perceberem. Então é muito, muito gostoso quando você tem essa troca com o leitor. É uma imagem que é isso mesmo: a dificuldade de viver de livros. Inclusive, quando eu conversei com a Clarice Lispector na época, que eu fui visitá-la, fiquei amiga dela e tal, enquanto o Rubem Fonseca falava para mim: “ah você tinha que viver só escrevendo, não fazer mais nada”; a Clarice Lispector dizia: “você não pode viver só de literatura como nenhum escritor no Brasil pode, a gente tem que ter, pelo menos, uma outra profissão”.

O livro é dedicado a Rubem Fonseca, com quem você tinha uma ligação forte. Como começou essa amizade e o que mais lhe encantava no autor?
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O Rubem Fonseca foi uma pessoa fundamental para esse livro. É por isso que eu o dedico a ele, porque ele já era um leitor, eu era uma devota de tão leitora que eu era quando o conheci. Eu o conheci na Feira do Livro em Porto Alegre, junto com grandes outros autores de quem eu fiquei muito amiga, inclusive Clarice Lispector, Mário Quintana e outros.

Rubem Fonseca lia minha poesia, a gente comentava, a gente tinha muita troca literária, e um dia ele falou para mim: “olha, agora vai para casa, para tudo que você está fazendo e vai escrever um romance, eu quero esse romance”. De fato, foi o que eu fiz, e ele foi a primeira pessoa a quem eu entreguei o manuscrito, sem ser dentro do meu núcleo familiar. Tenho isso documentado, que é uma coisa muito emocionante.

A poesia lhe abriu as portas para que o Brasil pudesse constatar seu potencial literário. Entre alguns nomes que ratificaram esse talento estavam Clarice Lispector, Mário Quintana, Chico Buarque, de quem você era fã. O que significou para você esses reconhecimentos?
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Eu fui chegando perto dos meus ídolos, a vida me deu essa confluência mesmo, e muitos, todos praticamente, continuam na minha cabeceira, alguns eu não conheci… Eu gostaria muito de ter conhecido o próprio Guimarães Rosa, Júlio Cortázar, Borges, teria sido assim uma emoção gigante conhecê-los, mas não importa, porque eu acho que o leitor, o leitor é íntimo do autor, mesmo sem conhecer. Quando você lê um trabalho que você lê com atenção, você se torna imediatamente o melhor amigo do autor, porque eu escrevo e o leitor que lê, a gente faz imediatamente uma ponte e quando o leitor é atento, essa ponte é tudo. Umberto Eco dizia que o livro é uma obra aberta e que cada um vê aquele livro à sua maneira. Então, o importante não é a maneira como o autor escreveu, claro, essa é importante também, mas o mais importante é o que cada um dos seus leitores capta daquilo.

A poesia é um grande exemplo disso, porque a poesia muitas vezes ela é enigmática, não revela tudo, ela é sorrateira, é subliminar, a poesia entra pelos travesseiros das pessoas e fica lá em algum lugar e ao mesmo tempo dá uma dimensão gigante à alma.

Então, tanto a literatura, os livros que eu gosto e os que eu escrevo, eles estão impregnados dessa matéria, que no fundo é a matéria da nossa emoção, das nossas ideias, dos nossos sentimentos. Uma forma de traduzir isso em mim é de ajudar as pessoas a traduzirem, cada uma, naquilo que vão conseguir entender do que eu escrevi.

A propósito: como se deu sua formação literária, artística? Quem lhe incentivou, como você começou a se interessar por literatura e quais os livros que continuam na sua cabeceira, bolsa, estantes? Seus pais lhe incentivaram?
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Sim, eu tinha em casa pais que liam, um irmão que lia, eu tinha acesso aos livros, pois eu era muito ainda criança quando eu comecei a descobrir a literatura. Pra você ter ideia, o primeiro livro que eu li na vida, pela escola, eu fiquei tão impressionada, que decorei o livro, eu lia e relia e relia constantemente aquilo como uma descoberta de um mundo, eu falava, mas isso então existe, tem gente fazendo isso, tem gente usando palavras para descrever emoções. Quando eu fui descobrindo isso, entrei nesse mundo e mergulhei de cabeça. E assim a vida me levou a conhecer Gabriel García Márquez, Allen Ginsberg, Gore Vidal, grandes autores e muitos outros.

Desde 1978, você vive uma história de amor com Riccelli, de quem se tornou parceira também em produções, filmes e novelas. Você acredita que esse “molho” é o que ajuda a mantê-los cada vez mais unidos? Pode dizer se existe algum projeto em que vocês estejam trabalhando no momento?
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Eu não sei se em relação ao amor eu estava preparada, porque eu não acho que existe um preparo para uma paixão. Mas eu acho que existe, numa história de amor, uma construção gradativa. Eu acho que uma grande história de amor ela supera coisas, ela passa arrebentação, ela encontra uma calmaria, ela passa, de novo, mares revoltos, enfim, você vai passando por muita coisa. Mas o muito, muito bom, além dessa mágica, que é uma mágica uma relação, e a gente se conheceu no Xingu, e tem todo aquele encanto. Para mim é uma coisa muito mítica, você se encontrar num lugar tão único e, sabe, você tá naquele mundo selvagem, íntegro, né? Que era, naquele momento, o Xingu, com a natureza tão presente na nossa vida, como continua sendo até hoje, e, ao mesmo tempo, uma construção diária dessa relação, uma construção do que o amor nos apresenta, de como a gente vai pelos caminhos que vêm a nós, que a gente quer escolher ou trilhar.

Então, assim, sim, a gente trabalha junto, a gente faz coisas difíceis, a gente constrói casas, coisas que não são fáceis, mas a gente gosta muito das mesmas coisas, acredita nas mesmas coisas, pensa muito parecido, tem uma cumplicidade em tudo que a gente faz, a gente se entrega e dá muito certo, eu acho que por causa disso.

Além do Riccelli, você também vem trabalhando com seu filho Kim, que foi o autor da capa da nova edição de Filmes proibidos. Essas trocas com pessoas tão íntimas, tão queridas, são um plus no seu processo de criação?
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Exatamente, eu acho que o processo de criação envolve o Kim, nós três juntos sempre criamos, e quando um cria separado, vamos supor, o Kim faz a música do filme ou o Kim faz, sei lá, a própria música que ele também compõe ou que eu escrevo, ou que, enfim, o Kim inventa, todos nós criamos coisas e a gente tá sempre avaliando juntos, quer dizer, a gente formou essa coisa, essa trinca, de construção e de criação. A palavra criação é uma palavra fundamental nas nossas vidas, a gente entra nesse lugar onde a criação habita, que é um lugar mágico, é um lugar sagrado, é um lugar que você tem que entrar com respeito, porque a criação é você se comunicar com uma coisa muito maior, um poder muito maior do que nós mesmos.

Você é uma artista multifacetada: atriz, escritora, produtora, roteirista e apresentadora. Transita por várias áreas. Todas são fundamentais ou você poderia ter atuado em apenas uma delas? Isso seria possível ou Bruna não se presta a apenas um papel?
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É, como eu sempre costumo dizer, que eu sou uma pessoa movida à paixão e curiosidade, então todas as áreas em que eu atuo são essenciais para mim. Especialmente enquanto estou fazendo aquilo, eu me dedico 100% ao que eu estou fazendo e eu aprendo muito, é uma troca, quando eu entro num setor, numa coisa que eu estou fazendo, aquilo ali se torna a minha vida naquele momento. Embora todas as mulheres sejam multitarefas, porque nós somos mesmo, mas a gente se dedica a uma coisa inteiramente de cada vez e aprende muito ali, com as coisas que nos fascinam, com as coisas que nos alimentam, nos nutrem. Se eu não pudesse fazer tudo e se eu tivesse que escolher um papel, eu acho que eu escolheria o papel de mãe, porque de tudo que eu fiz e tudo que eu faço na vida, nada, nada eu considero uma missão maior do que a possibilidade que a gente tem de criar um filho e de preparar uma pessoa para esse mundo difícil e ver ela trazer uma esperança, de uma energia melhor, de um mundo melhor.

A idade pra você está sendo uma boa parceira. Ao que você atribui esse seu envelhecimento tão suave, na verdade, quase imperceptível?
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Olha, eu gosto muito do tempo, eu acho o tempo um grande mestre, um grande sábio, e... eu acredito que amor, humor, trabalho, busca, devoção, espiritualidade, esses caminhos todos são caminhos que fazem a gente se sentir melhor e viver melhor.

Você é considerada uma das mulheres mais bonitas do Brasil. O quanto isso lhe ajudou e o quanto lhe atrapalhou? A beleza às vezes carrega o peso do assédio, da objetificação…Você já passou por situações desse tipo, por exemplo, com Bon Jovi. Ela foi exceção ou você teve, muitas vezes, que botar as garras de fora para colocar homens poderosos em seus lugares?
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Essa questão de botar as garras para fora é engraçada, mas, na verdade, desde muito cedo, eu nunca aceitei estar numa posição de objetificação. Tinha até um grande cronista, um grande escritor, jornalista carioca, que uma vez quando eu estava começando a escrever, quer dizer, começando a aparecer no mundo literário e ao mesmo tempo fazendo televisão, ele (quem me falou isso até outro dia foi o Pedro Bial, eu tinha esquecido), disse assim: “o poeta é um fingidor, finge tão bem e completo, que chega a fingir no outdoor que é uma mulher que não quer o objeto”. Mas isso é uma brincadeira dele, porque eu realmente nunca aceitei o papel, eu acho que a gente, nenhuma mulher precisa aceitar e deve aceitar. Tem uma perda com isso, é claro, eu deixei de fazer, com certeza, centenas de papéis como atriz, porque eu achei que os papéis, tanto em filme como em outras novelas, o que fosse, eram papéis que diminuíam a mulher de alguma maneira.

Eu respeito demais as mulheres e quero escrever sempre para elas, para mostrar quanto caminho a gente tem que percorrer, para a gente poder chegar ao que a gente é, e se conhecer. Eu trabalho muito com autoconhecimento, bem-estar, qualidade de vida, espiritualidade. Tenho feito inúmeras palestras pelo Brasil inteiro para falar com mulheres, e com homens, executivos... enfim, um pouco de tudo.

Esse livro Filmes proibidos tem uma coisa interessante, porque, de um lado, a mulher se identifica muito, porque ele fala dessa paixão e as mulheres que já se apaixonaram, sofreram por amor, esperaram o telefonema que não veio etc., e elas quiseram rir disso tudo, elas têm a chance agora de se identificar com isso.

Por outro lado, eu recebi comentários de homens, dizendo assim, que lendo Filmes proibidos, começaram a entender o que pensa e sente uma mulher, porque a loucura das mulheres é sempre muito falada, mas aqui ela entra para um lugar de intimidade e o cara vai lá e entende melhor uma mulher.

Você está trabalhando em algum projeto novo?
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Eu estou preparando um projeto novo, sim, por enquanto ele é um segredo, mas assim que eu for divulgar, com certeza eu quero divulgar para você, porque percebi uma leitora atenta, e para mim é um prazer dar uma entrevista assim. É um prazer dar uma entrevista para Pernambuco, que é um lugar que eu adoro, um lugar que eu acho lindíssimo, um dos pedaços da costa brasileira mais bonitos do mundo, Eu tenho muita saudade de ir para o Recife. Pernambuco eu acho um lugar muito forte artisticamente, numa natureza deslumbrante.