Manoel Neto Teixeira e o “Pernambuco necessário”

Quem publica uma série que alcançou já 12 tomos sobre coisas relevantes da cultura merece atenção. Manoel Neto Teixeira acaba de lançar mais uma parte do seu projeto Multivisão (Polys, 2025; 190 páginas). Desta vez ele se dedica a dar a ver o Recife e Olinda, destacando igrejas, seminários e conventos (“monumentos imateriais, arquitetônicos e paisagísticos”). No prefácio, o baiano-pernambucano Arthur Carvalho:

“A obra de Manoel Neto Teixeira consolida seu nome de pesquisador e escritor não apenas para Garanhuns, sua terra natal, mas para o Nordeste e o Brasil. É admirável a fecundidade e abrangência da sua obra, intelectual da mais alta dignidade, humanidade e competência.”

Trata-se de um compêndio despretensioso, na linha do que, em tempos anteriores, publicaram Mário Sette, Flávio Guerra, Fernando Pio, Rubem Franca e alguns outros historiadores ou cronistas, conforme as condescendências ou rigores dos analistas. De um modo ou de outro, pesquisas relevantes àquele “Pernambuco necessário” referido por João Cabral de Melo Neto, ao homenagear Pereira da Costa.

Manoel Neto Teixeira é jornalista. Os bons jornalistas como ele não se limitam ao acontecimento. Esmeram-se no relato com aura de História e realizam, amorosamente, um trabalho que muitos volumes acadêmicos tantas vezes não alcançam. Seus livros cumprem o objetivo mais nobre: ser úteis. Porque resultam de um labor cuidadoso poderiam ser consultados inclusive nas escolas, pela vantagem da leveza.

O que tem a aprender o leitor adquirindo este novo Multivisão? Informações sobre história e patrimônio. Principalmente as construções que testemunham o cristianismo local. Impressiona que haja tantas igrejas no Recife erguidas no século 18 (quando, na Europa, afirmava-se o Iluminismo).

Há outros dados surpreendentes, como este: cidade das mais antigas do Brasil, Olinda aprovou não faz muito tempo (63 anos) o seu escudo e sua bandeira atuais. A despeito disto, o seu simbolismo reporta-se ao passado colonial, pois exalta o donatário Duarte Coelho Pereira (c. de 1485-1554). No hino oficial o município é definido como um “cofre sublime de brilhantes tradições.”

Uma lista de todos os prefeitos do período republicano, as lendas, o episódio do incêndio pelos holandeses, e, sobretudo, os monumentos religiosos de Olinda estão nessa obra. Daí a observação feita pelo autor:

“As ordens religiosas que se instalaram nas colinas de Olinda desempenharam papel fundamental na cultura, na vida e modo de ser olindense, bem como no seu traçado arquitetônico: os jesuítas, carmelitas, beneditinos e franciscanos.”

Essa observação, feita na página 59, ele a reitera na 81. Na 137, já a respeito do Recife, volta a comentar: “A exemplo de Olinda, o símbolo da cruz também se fez presente através das primeiras igrejas edificadas na nascente vila do Recife, desde os primórdios.” Nos perfis sucintos das igrejas, há dados como este do templo existente no centro da cidade, dedicado à Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos:

“A planta do atual tempo data da reforma de 1830, quando os desenhos e rococó foram substituídos por uma imitação do neoclássico. Nesta igreja atuou como pregador o Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (1695-1779) e como mestre de música Luiz Álvares Pinto (1719-1789). Este último é autor das mais antigas composições eruditas conhecidas em Pernambuco, como Te Deum laudamus (1760) e de um método de ensino musical por ele denominado de A arte de solfejar (1761).”

Outra coisa em comum: o hino da capital de Pernambuco, como o de Olinda, reverencia o seu antigo colonizador. Basta ler a letra de Manoel Aarão (a melodia é de Nelson Ferreira). O primeiro verso reporta-se a Maurício de Nassau.

Sem a exuberância de Salvador, na Bahia de Todos os Santos (e de quase todos os pecados, como disse Gilberto Freyre), Olinda e o Recife pontificam a importância dos padres que foram, ao mesmo tempo, religiosos e políticos – o exemplo mais famoso é Frei Caneca, mas há vários outros.  

Nada nisso há de contraditório. Tanto não há que Gregório de Matos - baiano que trafegou muito pelo Recife - escreveu alguns dos melhores poemas religiosos do seu tempo, ao lado de versos satíricos e anticlericais. Uma das edições das suas obras poéticas data-se do século chamado "das Luzes".  Subdivididas em quatro tomos, "em que se contêm as obras sacras, joco-sérias, e satíricas, que a brevidade não permitiu separar". Dizem que ele faleceu no dia 26 de novembro de 1696, e que foi sepultado na igreja da Penha. Teria sido profético nestes versos?:

“Fica-te embora, Bahia,

Que eu me vou por esse mundo,

Cortando pelo mar fundo

Numa barquinha.

Porque inda que és pátria minha,

Sou segundo Cipião,

Que com dobrada razão

A minha ideia

Te diz: Non possidebis ossa mea.”

A menção a Cipião e à frase em latim explica-se. Públio Cornélio Cipião Africano foi um militar e político romano. Dizem que foi acusado de corrupção pelos da sua pátria, autoexilou-se e teria dito a frase famosa: "Minha pátria ingrata não terás meus ossos".

Em outros versos é ainda mais crítico em relação à Bahia. Tais versos terminaram sendo parodiados por Carlos Pena Filho. Citamos aqui os de Gregório de Matos:

“Senhora Dona Bahia,

Nobre e opulenta cidade,

Madrasta dos naturais

E dos estrangeiros madre.

 

“Dizei-me por vida vossa

Em que fundais o ditame

De exaltar os que aqui vêm,

E abater os que aqui nascem.”

 

Agora os versos de Carlos Pena Filho:

“Recife, cruel cidade,

águia sangrenta, leão.

Ingrata para os da terra,

boa para os que não são.

Amiga dos que a maltratam,

inimiga dos que não.”